terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

De sístoles e diástoles... carnaval e quaresma...

Terça-feira de carnaval, terça-feira gorda, mardi gras... preparemo-nos porque amanhã começa a jornada de 40 dias magros, de penitência e privação... amanhã começa a Quaresma. Qual o sentido disso no mundo de hoje?
Roger Haight, teólogo católico e professor de teologia histórica e sistemática na Weston Jesuit School of Theology (Cambridge, Massachusetts), no livro "O futuro da cristologia" (São Paulo: Paulinas, 2008), ao tentar caracterizar o ambiente intelecutual dominante no mundo globalizado, chamado por alguns de uma nova cultura pós-moderna, aponta para quatro características que poderiam ser tomadas como distintivas de uma nova maneira que pessoas instruídas vêem o mundo hoje.
A primeira das quatro características trata de uma consciência histórica radical. Se na modernidade a evolução parecia implicar um desenvolvimento progressivo, a pós-modernidade suspeita dos universais, sendo tomada por um sentimento de que a existência humana está à deriva, orientada tão somente pela força interna da natureza e da história.
A segunda característica se refere a emergência de uma consciência social crítica. Noções de verdade e valor tornam-se mais tímidas, mais locais, não transcendendo facilmente uma organização social particular. A racionalidade autônoma do iluminismo é constrangida, tornando-se mais modesta pela alteração do arcabouço de julgamento.
A terceira característica aponta para uma consciência pluralista. A cultura ocidental não mais controla o centro pois não há um único centro, mas tão-somente uma variedade de centros locais de pensamento. Nenhum indivíduo ou grupo ou cultura individual pode esboçar ou possuir uma metanarrativa que abranja o todo. A verdade só é alcançável em fragmentos com os quais se deve trabalhar coletivamente não para superar o pluralismo mas para se beneficiar dele.
Finalmente, a quarta característica informa que a pós-modernidade implica uma consciência cósmica. Está se tornando cada vez mais difícil conceber que o homo sapiens terreno seja o centro da realidade e não um epifenômeno.
Essas características no seu conjunto - consciência histórica radical, social crítica, pluralista e cósmica - apontam para uma cultura intelectual que funciona como uma espécie de premissa implícita e filtro heurístico para avaliar o que se apresenta como pretensão à verdade. E a primeira exigência do que se apresenta como pretensão à verdade é a não-hipocrisia.
No Evangelho de Mateus (Mt 6, 1-6.16-18) que dá início à liturgia da quaresma, Jesus vai chamar a atenção para as três dimensões de relacionamento - com o outro (dar esmolas), consigo mesmo (jejuar) e com Deus (orar) - que podem ser feitos com disposições e motivações bastante diferentes. Ao relacionamento que é feito para ser visto pelos homens e não pelo relacionamento em si mesmo, Jesus dá o nome de hipocrisia, de não-verdade, cuja recompensa será o fato mesmo de ser visto (afinal, era pra isso que ele se destinava). Note-se que há uma recompensa real, seja qual for o modo com que se constituam tais relacionamentos.
Para o relacionamento em Verdade, Jesus chega a propor um programa: que a mão esquerda não saiba o faz a direita quando estiver dando esmola; entrar no quarto e fechar a porta quando estiver orando; perfumar a cabeça e lavar o rosto quando estiver jejuando.
Este parece ser um programa que dialoga com uma consciência histórica radical, social crítica, pluralista e cósmica. Um programa que, superando a hipocrisia, toma a sério a construção de relacionamentos transformadores. A recompensa... o Pai, que vê o que está escondido, proverá.
Comecei estes comentários na terça-feira gorda mas só consegui acabá-los (pelo menos provisoriamente) na quarta-feira de cinzas, aguardando ansiosamente a Páscoa que me espera no final da travessia.
Shalom! שָׁלוֹם

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