sábado, 12 de fevereiro de 2011

Encontro de Tribos: Não há docência sem discência!

Num sábado de muito sol (12/02/2011) encerrei um curso de Metodologia Científica de 36 h distribuídas em três finais de semana seguidos para uma turma formada por professores e funcionários do Instituto Federal Fluminense (IFF) ou, dizendo com todas as letras, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense, o sucedâneo do CEFET de Campos. A disciplina de Metodologia Científica que ministro faz parte do Mestrado Profissional em Sistemas de Gestão da Universidade Federal Fluminense. Foi uma experiência ímpar a convivência e a troca de conhecimento e de amizade com aquelas pessoas. Uma experiência que rompe com toda a pompa e circunstância que costumam rondar os rituais acadêmicos: simples e bela!

Rompe também com um discurso elitista que preferiria talvez que a Universidade Pública estivesse parada, imóvel, esperando que o “soberano e provedor” Estado, através da sua burocracia instituída, organizasse e produzisse encontros como esse. Afinal de contas é papel dele, do Estado, e se ele não organiza, nada feito. Podemos lavar as mãos e ir pra casa com a consciência tranquila ou aproveitar o sol que neste calorento fevereiro de 2011 vai até às 20 h, mesmo sabendo (se é que possamos um dia saber disso) que deixamos de interagir com pessoas que querem estudar pra melhorar suas vidas, suas carreiras e contribuir com mais competência para a formação de mais pessoas, num círculo virtuoso que não tem fim.

Era assim que me sentia quando cheguei em casa por volta das 18:30 h deste sábado calorento e ensolarado. Que coisa incrível! No encerramento fizemos uma avaliação do curso e vi um professor com 30 anos de carreira chorando emocionado pela oportunidade que estava tendo de estar ali, num banco de escola, fazendo Mestrado, junto com colegas que, conquanto não chorassem explicitamente naquela hora, exprimiam com uma solidariedade que quase batia no teto de tão forte e visível, o mesmo sentimento daquele colega: estamos juntos! Podemos e queremos nos qualificar para contribuir mais e melhor. Uma colega na turma falou explicitamente: "venci a timidez, sei que vamos vencer todas as dificuldades".

Essa é a experiência docente que energiza e pode produzir mudança social. Na minha fala com eles lembrei do pequeno grande livro de Paulo Freire, “Pedagogia da Autonomia”, onde ele afirma que “não há docência sem discência”. Na sua feliz, profunda e engajada sensibilidade Freire discorre aí sobre as exigências do ensinar. Eu diria que Freire enuncia aí os “nove mandamentos” da docência com discência. É significativo que o religioso Freire não tenha ousado propor 10 mas tão somente 9 mandamentos. Mas que profundidade de nove!

Freire nos adverte que ensinar exige (i) rigorosidade metódica, (ii) pesquisa, (iii) respeito aos saberes dos educandos, (iv) criticidade, (v) estética e ética, (vi) corporeificação das palavras pelo exemplo, (vii) risco, aceitação do novo e rejeição a discriminação, (viii) reflexão crítica sobre a prática e (ix) o reconhecimento e a assunção da identidade cultural.

Em cada um dos outros dois capítulos posteriores Freire elenca mais nove mandamentos. Cada um deles merece toda a reflexão, todo o engajamento e toda a dedicação mas é com o último “mandamento” do terceiro capítulo, onde ele discorre sobre o ensinar como uma especificidade humana, que quero encerrar essa breve reflexão em tão boa hora suscitada por uma turma que me encantou: “ensinar exige querer bem aos educandos”.

Ora, não soubesse eu que Freire é um revolucionário da esperança, que enfrenta as armadilhas da ideologia mistificadora e desmonta os discursos piedosos porém inócuos para transformação do mundo, eu veria nessa fala específica e no conjunto da sua fala uma pregação que minha mãe, professora primária em uma cidade do interior, mais precisamente Itaperuna, vizinha de Campos dos Goytacazes, já fazia a partir de sua dedicação a arte de ensinar: "o magistério, meu filho, é um sacerdócio!" E sacerdócio requer, no mínimo, querer bem à comunidade dos crentes, ou a “tribo” que construímos ao longo de 36 horas de convivência.