sábado, 24 de outubro de 2009

A UFF e o Planejamento

O planejamento é “o cálculo que precede e preside a ação”, conforme o definia Carlos Matus, Ministro do Planejamento do ex-presidente Salvador Allende do Chile. Portanto, o planejamento não é apenas o que precede a ação, o que vem antes de iniciar o trabalho concreto mas também o que preside, o que dirige, o que acompanha e o que aperfeiçoa a ação, corrigindo os desvios e melhorando os cálculos das próximas ações.
Essa idéia do planejamento é tão antiga que podemos encontrá-la até mesmo na Bíblia, no Evangelho Segundo São Lucas, onde Jesus chama a atenção para a importância de se calcular previamente as coisas para depois não ficar com obras pela metade. Jesus apresenta o exemplo de um homem que queria construir uma torre e tinha que calcular antes pra ver se conseguiria chegar até o fim com os recursos que dispunha ou que poderia obter. Veja como Jesus conta o caso em Lucas 14, 28-30:
Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces, e não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele, dizendo: este homem começou a edificar e não pôde acabar.
Nenhuma organização, pública ou privada, nenhuma instância de Governo, seja Federal, Estadual ou Municipal pode dispensar o planejamento de suas ações sem sérias conseqüências para os seus próprios objetivos, para a sua Missão. No caso do setor público o planejamento é uma necessidade legal pois trata-se de condição fundamental para o uso transparente de recursos públicos.
Paradoxalmente, no entanto o Reitor da UFF não partilha desse pensamento. Até onde podemos acompanhar insiste em não compreender e/ou utilizar as boas práticas e os dispositivos do planejamento. O Orçamento e a Prestação de Contas anuais por exemplo, que poderiam ser a vitrine de uma condução democrática, transparente e eficiente da universidade, são transformados em peças de ficção, despojados totalmente do seu caráter e da sua força como instrumentos do planejamento, desrespeitando inclusive o Conselho Universitário e o Conselho de Curadores que são os órgãos que devem aprovar, no final das contas, estes documentos.
O Orçamento Anual, cuja proposta inicial, definida através de um levantamento intitulado Quadro de Detalhamento de Despesa (QDD), deve ser enviada ao MEC no primeiro semestre do ano anterior ao ano cujo orçamento se elabora, não reproduz nunca as demandas reais da instituição, é preparado de forma burocrática, nos limites finais dos prazos legais, de forma que não possa mesmo ser discutido e muito menos questionado.
A Comissão Mista de Orçamento e Metas, um espaço de planejamento institucional democrático e aberto criado em 2003 e que se reúne toda semana no Instituto de Física para discutir, elaborar e propor o Plano de Desenvolvimento Institucional da UFF, tenta avançar progressivamente para além da mera discussão dos 17% de OCC atribuídos aos programas do PDI, mas não consegue obter as informações necessárias, não tem acesso à caixa-preta das chamadas despesas fixas que consomem 73% dos recursos de OCC e não possui informações acerca dos valores operados via fundação de apoio, que manipula anualmente um montante de recursos que já ultrapassa todo o orçamento de custeio e capital da própria universidade.
A Prestação de Contas Anual, que por determinação do Conselho Universitário deveria ser apresentada e examinada quadrimestralmente, não é apresentada nos prazos corretos e a prestação do final do ano é apresentada em reunião extraordinária do CUV convocada com prazos exíguos, que impedem definitivamente qualquer conselheiro de examinar minimamente o documento. Na prestação de contas de 2008 pude constatar, e denunciei no próprio plenário do CUV, a existência de problemas de estrutura, de linguagem e de matemática no documento apresentado, que fora encaminhado ao Conselho nas vésperas da sessão extraordinária. Pesa sempre sobre os conselheiros a ameaça de que se não aprovarem aquela prestação de contas tal como está a universidade ficará sem orçamento no ano seguinte. Agindo dessa forma com a Prestação de Contas perde-se a oportunidade de utilizá-la para aperfeiçoar as bases orçamentárias da instituição, verificando onde houve discrepâncias, avaliando-se suas causas, formulando ações corretivas e melhorando o próprio orçamento do ano seguinte.
Por que o dirigente máximo da universidade age dessa maneira? Sabemos que os neo-liberais de todos os matizes e os autoritários de todas as vertentes nunca gostaram de planejamento, argumentando que o “mercado” planeja sozinho. De fato o planejamento, quando bem feito, deixa claro quais são os investimentos e forma de alocação de recursos desejados pela comunidade, respeita as prioridades definidas por esta através dos mecanismos democráticos e elimina ou reduz significativamente a chamada “política de balcão”, pedra de toque do dirigente clientelista que busca transformar a alocação de recursos públicos em um favor que presta à comunidade. Este dirigente adora dizer que passando por ele está resolvido e pra isso ele precisa de recursos não transparentes. A universidade já tem uma estrutura que facilita este tipo de prática que é um culto à personalidade elevadíssimo centrado na pessoa do reitor, o Magnífico.
Vivemos particularmente um momento em que todas as universidades federais do país não apenas tiveram aumento nos seus orçamentos anuais como também, por conta do processo de expansão, tiveram acesso a recursos para investimentos, obras, contratação de professores e técnico-administrativos como não acontecia há muitos anos. Tudo isso vinculado a um Acordo de Metas assinado com o Ministério da Educação que fixa resultados esperados em termos de expansão do número de vagas que não são fáceis de serem alcançados. Usar os recursos repassados fora do que fora planejado, segundo critérios não transparentes e não discutidos com a comunidade acadêmica, pode comprometer seriamente nos próximos anos a integridade do fazer acadêmico e a autonomia didático-pedagógica, financeira e administrativa da instituição.
Embora tenha havido o “cálculo que precede” no início da expansão, liderado por equipes indicadas no Conselho Universitário e pela Comissão Mista de Orçamento e Metas, não está havendo na medida necessária o “cálculo que preside”, quando o recurso já está na universidade e passa a ser tratado como capital político de interesse particular do Reitor. É hora portanto das forças progressistas e democráticas da universidade ficarem atentas sobre o que irá acontecer com os dois instrumentos centrais do planejamento que são, para utilizar a terminologia do Carlos Matus, “o cálculo que precede” (o Orçamento 2010) e “o cálculo que preside” (Prestação de Contas 2009) a ação. Não é prudente deixar de examinar com cuidado estes instrumentos para que não suceda com a nossa universidade o que poderia ocorrer com o tal homem relatado por Jesus no Evangelho de Lucas que construía um torre sem os cuidados necessários para que ela não ficasse inacabada.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Entrevista na Comunidade Discutindo Literatura do ORKUT

Fui convidado na semana passada (de 04 a 10/10/09)para dar uma entrevista de uma semana de duração na Comunidade do Orkut chamada "Discutindo Literatura". Aceitei sem saber ao certo como funcionava o processo. Nem mesmo ouvira falar de uma entrevista que durasse uma semana. Qual não foi minha surpresa ao viver e conhecer a partir de dentro esse fantástico modo de utilização do Orkut. Aliás tenho me surpreendido a cada dia com as possibilidades de uso das ferramentas da web, particularmente no campo da educação.
Pensando bem, não era pra ser diferente já que se trata de modos de se operar em rede, com todo o potencial de produção de encontros, sinapses e significados que estas possibilitam. Lembrei-me do livro do Manuel Castels que li nos anos 90 intitulado "Sociedade em Rede - A Era da Informação: Economia, sociedade e cultura", que então me parecera algo muito futurista. Eu procurava me informar sobre impactos da rede no mundo da produção e do trabalho e Castels falava de sociedade e cultura. Mas agora percebo como estas coisas estavam lá!
Relendo agora algumas coisas de Castels na web (minha curiosidade foi aguçada!), encontro, em uma entrevista que ele concedeu em 2008 para o jornal "El Pais", a afirmação de que o poder tem medo da internet. Sim, porque segundo ele o "poder" sempre se baseou no controle das pessoas, através da informação e da comunicação e a internet não é possível de ser controlada. Castels afirma que participara em inúmeras comissões assessoras de governos e instituições e que a pergunta que todos sempre fizeram era: como podemos controlar a internet? E resposta que ele dava era sempre a mesma: não podem.
Então vida longa a internet! Vida longa a liberdade!

Os que quiserem ler a entrevista podem encontrá-la no link:
http://www.orkut.com.br/Main#CommMsgs?cmm=3332336&tid=5388801823126707875&start=1

terça-feira, 29 de setembro de 2009

APESAR DE VOCÊ, AMANHÃ HÁ DE SER OUTRO DIA!

Amigos da UFF em Volta Redonda,

Trabalhei como engenheiro na Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda de 1981 a 1992, quando pedi meu desligamento pois passara em concurso público para o Departamento de Engenharia de Produção da UFF em Niterói. Foram anos heróicos, quando Volta Redonda era "área de segurança nacional" mas insistia em ser portadora de "indignação" contra a ditadura. O saudoso Henfil, irmão do Betinho, havia lançado uma campanha nacional do INDIGNE-SE e Volta Redonda era referência de resistência e luta por uma sociedade democrática. Inúmeros foram os exemplos de combatividade desta cidade que repercutiram no país inteiro. Em 1988 Volta Redonda experimentou a violência dos ditadores com o assassinato de quatro operários que lutavam por melhores condições de vida e de trabalho. A repercussão disso foi que em São Paulo, contra todos os prognósticos estatísticos, Luiza Erundina torna-se prefeita da cidade. Em Volta Redonda as Comunidades Eclesiais de Base floresceram e foram exemplos pro país inteiro de como o povo unido pode resistir e fazer avançar a democracia.
Vejo que os tempos mudaram mas essa característica da resistência, da combatividade e da ética continua viva em Volta Redonda. Nossa Universidade vive um dos momentos de maior truculência e grosseria de gestão. Um Reitor autoritário e antidemocrático tira e põe dirigentes conforme sua lógica tacanha de ganhos políticos imediatos, de olho na sua re-eleição no ano que vem, jogando por terra o sonho que acalentamos de criar uma UFF no interior mais autônoma, independente e capaz de criar e sustentar projetos político-pedagógicos inovadores. E é justamente Volta Redonda que desponta como uma luz no fim do túnel pra dizer: "o rei está nu".
Tenho acompanhado todas as intervenções do "Pensamento Acadêmico UFF Volta Redonda" e me sinto orgulhoso de saber que o medo não paralisou toda a universidade como cheguei a pensar.
Amanhã (30/09/09)tem Conselho Universitário e estou disposto a fazer ecoar o grito não apenas de Volta Redonda mas também de Rio das Ostras, de Friburgo e de todos os lugares onde o braço covarde da truculência tenta passar atestado de incapacidade para nossos colegas professores, servidores técnico-administrativos e estudantes de que não podem se auto-governar: ELEIÇÕES JÁ EM TODOS OS PÓLOS!

Saudações universitárias,
Emmanuel Paiva de Andrade
Vice-Reitor

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

De Sucupiras e Odoricos: dores de parto de uma universidade que teima em não ser como o Senado

Esta semana, na luta surda que se trava na Universidade Federal Fluminense em torno da sucessão do atual reitor, cuja eleição deve ocorrer em maio de 2010, um professor da Escola de Engenharia publicou um e-mail para a comunidade acadêmica onde se percebe que o silêncio dos cemitérios, por mais que agrade aos Odoricos Paraguaçus de todos os tempos, não conseguirá jamais calar a voz da academia na sua busca da excelência crítica do ensino superior. Sensibilizado pela fala do colega da engenharia resolvi responder à provocação, botando mais lenha na fogueira. Eis a íntegra da minha resposta, seguida pela mensagem do colega da engenharia.

Prezado colega Heraldo,

Peço que você publique esse meu comentário-resposta para o mesmo universo de pessoas que receberam a sua comunicação inicial. Isso é um princípio da democracia que julgo importante e que tenho certeza que compartilhamos.
Quero me solidarizar inteiramente com a sua postulação. Podemos ter todas as divergências em questões substantivas mas não tenho nenhuma dúvida em afirmar que estamos entre os que almejam e lutam por uma universidade pública de qualidade, competente e capaz de levar a bom termo a missão constitucional de fazer com autonomia e de forma indissociável o ensino, a pesquisa e a extensão no nosso país.
Desde que recebi há dois dias atrás o informe do INEP acerca do IGC que me preparava para fazer a avaliação que você tão bem fez, antecipando questões que precisam ser objeto de análise cuidadosa das instâncias responsáveis por políticas institucionais na nossa universidade, quais sejam o Conselho Universitário, Conselho de Ensino e Pesquisa e o Conselho de Curadores. Precisamos abandonar a prática de querer transformar tudo em mera peça de campanha, divulgando o que interessa e não se manifestando sobre o que obriga a reflexões. Foi assim que aconteceu com o resultado do "Webometrics Ranking of World Universities", que por colocar a UFF em 23o. lugar no ranking da América Latina mereceu destaque na nossa página institucional, diferentemente do que aconteceu com a publicação do IGC que coloca a UFF com o mais baixo índice entre as universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro e por essa razão não é sequer divulgado.
A Universidade deve ser o lugar por excelência das conversações tecno-politicas, científicas e culturais e, por essa razão, vejo com bons olhos todos os que não temem o debate, como é o seu caso. Expor-se é o método da ciência, ao contrário do esconder-se que é o método da baixa-política que leva a escândalos e atos secretos como o que vive atualmente a mais alta instância política do nosso país, o Senado Federal.
Estamos vivendo neste exato momento uma situação absolutamente esdrúxula em torno da tentativa da cúpula dirigente da universidade (da qual estou fora, mesmo sendo, infelizmente, o Vice-Reitor de um Reitor autoritário e anti-democrático com o qual não compactuo definitivamente há um bom tempo) de escamotear, procrastinar ou descumprir a decisão já tomada pelo Conselho Universitário de realizar um plebiscito sobre a questão dos cursos pagos na universidade.
O método do autoritarismo é sempre o mesmo: ao invés do debate, as manobras procrastinatórias e regimentais que operam no sentido de impedir que a universidade fale, se manifeste, se expresse. Recentemente escrevi no meu blog (http://blog-do-emmanuel.blogspot.cm) um artigo intitulado “Quem tem medo de Virginia Wolf?” onde procuro refletir porque que os reacionários têm tanto medo do debate, preferindo a fraude ao enfrentamento. Curioso é que este não parece ser o comportamento dos meus colegas professores que coordenam cursos pagos na universidade e preferem debater abertamente com a comunidade acerca da relevância social e estratégica do que fazem do que serem prisioneiros dos “falsos protetores” que criam de um lado dificuldades para venderem de outro, as facilidades.
Recentemente comentei em um e-mail restrito aos que trabalham no meu Gabinete, mas que acabou vazando pra boa parte da UFF, sobre um processo de “sucupirização” da nossa universidade, numa referência à saudosa criatividade de Dias Gomes que retratou tão bem a baixa política no nosso país através da novela “O Bem Amado”, projetando a triste figura de um Odorico Paraguaçu, cuja única finalidade como dirigente máximo da cidade de Sucupira, na sua política de resultados, era encontrar um “morto” pra poder inaugurar o cemitério que se tornara a sua obra de maior relevância.
Vivemos situação não muito diferente na nossa universidade. O REUNI trouxe uma quantidade de recursos de toda ordem para a universidade, incluindo recursos de capital para a construção de prédios e reformas, recursos de pessoal, com a contratação de centenas de professores e técnicos, e recursos para organização da gestão, com CDs e FGs que estão sendo distribuídos fartamente segundo uma lógica meramente eleitoreira (evidentemente que toda lógica eleitoreira procura também fazer algumas coisas acertadas, até mesmo pra justificar a sua verdadeira intenção eleitoreira). Alguns colegas com quem tenho comentado essas questões levantam sua preocupação no sentido de que tomara que o “morto” almejado pelo neo-Odorico não seja a própria UFF.
Apenas pra se ter uma idéia do que estou falando, há pouco tempo atrás o Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, exibindo resultados e metas físicas invejáveis, inclusive aprovadas na prestação de contas de 2008 da universidade, foi afastado de suas funções numa jogada absolutamente micro-geo-política. A violência do ato foi encoberta entretanto com um convite para que o ex-Pró-Reitor se tornasse assessor do reitor com direito a gratificação compensatória. Agora aconteceu a mesma coisa no caso do Pólo de Volta Redonda. O ex-Diretor, com resultados considerados altamente satisfatórios do ponto de vista operacional, mas envolvido em disputas políticas locais, é substituído por um interventor de fora de Volta Redonda (como você muito bem registra na sua carta) mas, para deter a indignação que tal ato arbitrário poderia provocar, o diretor afastado é convidado a ser “assessor” do Reitor. Nada mais provinciano, fisiológico e desonesto do ponto de vista da lógica acadêmica.
Enfim, prezado Heraldo, estou plenamente de acordo com você quando diz que “diferenças políticas entre grupos numa universidade existem, são legítimas e normais. Numa universidade democrática, essas diferenças são resolvidas no voto”. Também eu penso assim e propugno não apenas eleições diretas já no Pólo de Volta Redonda como também no de Rio das Ostras, de Friburgo e de Campos. O maior disparate que já ouvi de um dirigente universitário foi quando o reitor da UFF, numa reunião com dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da UFF, afirmou que não fazia eleição em Volta Redonda porque lá nem todos podiam votar então ele votava por todos. Definitivamente, não quero esta UFF e para evitarmos a dolorosa vivência do outono do patriarca proponho que lutemos pela primavera da liberdade.
Saudações acadêmicas,
Emmanuel

O IGC E O OUTONO
Heraldo, professor do Departamento de Engenharia Mecânica
“A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.”
Ricardo Reis, 1-7-1916

Caros colegas, eu havia decidido ficar um bom tempo sem me manifestar publicamente em relação a assuntos da UFF. Contudo, fatos recentes me convenceram a retomar a nossa saudável corrente de discussão.
Para alguém que esteja recebendo pela primeira vez uma mensagem minha, a regra é simples – caso não deseje receber mais mensagens, basta responder a esse e-mail solicitando ficar fora da lista. Muitos me perguntam porque eu estou adotando um estilo eventualmente hermético e metafórico em algumas das minhas mensagens, parecendo um daqueles filmes antigos do Carlos Saura – difíceis de entender devido a uma linguagem muito cifrada. Eu explico - assim como o famoso diretor espanhol, sei que em rio que tem piranha, jacaré nada de costas. Meus motivos são parecidos com os dele, é claro.

O IGC 2008
Recentemente foi divulgado pelo MEC o Índice Geral de Cursos da Instituição (IGC) referente ao ano de 2008. Já comentei bastante sobre este índice no ano passado e, caso haja interesse, posso enviar por e-mail a quem solicitar o material em minhas mãos (metodologia, dados estatísticos , etc.). Basicamente o IGC é um indicador para avaliação de instituições de educação superior que considera, em sua composição, a qualidade dos cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado e doutorado). No que se refere à graduação, é utilizado o CPC (conceito preliminar de curso) que leva em consideração, além de resultados de avaliação de desempenho de estudantes, infra-estrutura e instalações, recursos didático-pedagógicos e corpo docente. No que se refere à pós-graduação, é utilizado o conceito dos cursos na CAPES. O resultado final está em valores contínuos (que vão de 0 a 500) e em faixas (de 1 a 5).
O IGC da UFF foi de 306 em 2007 e de 308 pontos em 2008, sendo a universidade pública com o IGC mais baixo no Estado do Rio de Janeiro.
Algumas observações:
(1) a avaliação da UFF, como no ano passado, foi excelente para os cursos de Pós-graduação e ruim para os cursos de graduação, que puxaram a média para baixo. A evolução crescente da pesquisa e pós-graduação na UFF é mais facilmente verificada quando olhamos o "Webometrics Ranking of World Universities" no qual ficamos em 23o lugar na América latina. No IGC, somos a 41a universidade no Brasil. No ano passado, se o conceito Médio da Graduação fosse 3,5 em 5 no lugar de 2,51 a UFF ficaria em primeiro lugar no estado do Rio de Janeiro entre as universidades públicas. Como a nota 2,51 não reflete a qualidade real dos nossos cursos de graduação, a média vai para baixo.
(2) É bastante claro que o IGC só é adequado para comparar instituições de porte semelhante, já que não leva em conta a quantidade de alunos (apenas as médias são consideradas) e tende a favorecer as estruturas menores, com menos cursos e, portanto, mais “enxutas”. Também é claro que as avaliações dos cursos de graduação são problemáticas, principalmente nas universidades com muitos cursos, devido a boicote de alunos.
(3) Contudo, nada disso explica porque na graduação a UFF ficou tão atrás de tantas universidades federais de porte semelhante (UFMG, UFRGS, UFRJ), todas com o mesmo problema de boicote de alunos. A explicação, caso exista, é complexa. Contudo, não creio que o principal problema esteja exclusivamente nos alunos de graduação. Apresento uma informação para que cada membro da comunidade da UFF possa montar o seu quebra-cabeças: TODOS os dirigentes dessas universidades mais bem avaliadas deram a mesma explicação para uma das chaves para o seu relativo sucesso – qualidade do corpo docente com maioria de doutores em regime de DE, fazendo a justa ligação entre pesquisa e pós-graduação com a graduação. A composição do corpo docente de uma IFES tem peso expressivo nas avaliações de cursos, seja na graduação seja na pós-graduação e tem, também, peso expressivo na determinação do seu orçamento. Num momento de expansão da UFF, com um aumento muito expresivo das contratações de docentes, temos que observar as políticas de contratação das universidades mais bem avaliadas e refletir sobre esse assunto.

O OUTONO DO PATRIARCA
Recentemente fui informado de que teria havido a substituição do Diretor do Pólo de Volta Redonda. Seria um fato relativamente dentro da normalidade que, contudo, me chamou a atenção devido a forma como a substituição foi anunciada publicamente. O novo diretor teria sido anunciado como uma “pessoa jurídica” que estaria ocupando a função não pelos méritos própios mas como um interventor representante da Escola de Engenharia de Niterói no Pólo. Essa intervenção objetivaria “unir” grupos políticos com opiniões divergentes sobre a administração do pólo. A intervenção de uma Unidade de Niterói num Pólo do interior é fato muito inusitado. Mais ainda porque não reflete a opinião dos docentes da Escola de Engenharia de Niterói. Se foi verdade a informação passada para mim, alguém usou o nosso (da Escola de Engenharia) nome em vão.
Não sei porque, ao saber desse fato, me lembrei do senador José Sarney e de um artigo sobre ele na Folha de São Paulo intitulado “o Outono do Patriarca” (título de um livro do Gabriel Garcia Marques sobre a decadência de um cacique político). O artigo diz: “Na solidão do poder, Sarney vive seu outono do patriarca ... mergulhou no vício solitário do poder e vive o autêntico outono do patriarca. ...” . O Senador Sarney, com uma biografia indubitavelmente rica, ao iniciar um claro processo de decadência política no Maranhão, buscou sobrevida política aceitando se submeter politicamente ao senador Renan Calheiros, atropelando muitos aliados para se firmar como Presidente do Senado. Resultado – uma das maiores crises políticas dos últimos anos no Congresso Nacional.
Diferenças políticas entre grupos numa universidade existem, são legítimas e normais. Numa universidade democrática, essas diferenças são resolvidas no voto. Para mim é inacreditável que num pólo com tantos cursos (graduação e pós-graduação) e tantos docentes, não haja ninguém competente o suficiente para geri-lo de forma eficiente. Aparentemente o Colegiado do PUVR votou uma moção a favor de uma consulta eleitoral para a sua Direção, aprovada por unanimidade. Vamos ver onde isso vai parar. Aguardo um posicionamento do CUV. Eleições diretas no PUVR e nos demais pólos!

Saudações acadêmicas,
Heraldo

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Crescer e democratizar: o desafio da universidade

Hoje pela manhã (24 de agosto de 2009) participei da cerimônia de assinatura do contrato de doação pelo Patrimônio da União de um terreno de 38 mil metros quadrados para a construção dos prédios para a expansão do Pólo UFF em Campos dos Goytacazes. A expansão da UFF em Campos projetará nossa universidade da atual situação de um único curso na cidade há quarenta anos (Serviço Social) para 7 cursos incluindo Ciências Econômicas, Ciências Sociais, Geografia, Direito, História e Psicologia. É um salto significativo que requereu muito esforço, planejamento, trabalho, convencimento, negociação, articulação política etc.
Fiz este depoimento nos breves minutos em que me foi concedida a palavra, reconhecendo o trabalho de tantas pessoas que batalharam e construíram essa história, tão bem representadas na Comissão Mista de Orçamento e Metas pelo ex-Diretor da Unidade e agora Diretor do Pólo de Campos, José Luis e da atual Diretora da Unidade, Profa. Leda. A servidora Marly por exemplo, num depoimento emocionado, lembrou do sonho, da luta e do empenho de tantas pessoas para se chegar a este ponto, afirmando que era impossível alguém estar mais feliz do que ela naquele momento.
Lembrei das felizes convergências, em perspectiva histórica, entre os esforços e sonhos pessoais e institucionais com políticas nacionais, como é o caso do Plano Nacional de Educação (Lei no. 10.172 de 09 de janeiro de 2001), que fixa metas de expansão do ensino superior público até o final da década que atenda a pelo menos 30% dos jovens na faixa etária dos 18 aos 24 anos, exigindo que o setor público tenha uma participação nunca inferior a 40% do total. Lembrei também do REUNI (investimento público de R$ 2,4 bilhões), que veio atender parcialmente essa exigência do PNE e da feliz coincidência dele encontrar uma UFF já engajada há anos em um Plano de Desenvolvimento Institucional que tinha como eixo central “a expansão de vagas e a melhoria qualitativa dos cursos”.
Essas coisas têm que ser lembradas em perspectiva histórica para que não se caia na pequena história provinciana e míope, na esparrela de que tudo é questão de um gestor-despachante influente, na perda total de horizonte estratégico, levando a universidade pública a uma categoria rebaixada de “sucupira” tardia, caricata, sem debate público, sem transparência e sem democracia. Em tempos de crise na mais alta instância política do país, o Senado Federal, cujos elementos mais importantes passam por um ainda não devidamente dissecado modelo de gestão fundado no compadrio, na troca de favor e no poder coronelista de travar ou deixar andar processos e benefícios, que acaba por enredar tanta gente boa, é bom colocarmos a barba de molho. Se a universidade pública não pode ser a vanguarda da construção de um novo paradigma de gestão, que ao menos ela não seja também o atraso. Mais do que simplesmente possível, é absolutamente necessário que o crescimento seja acompanhado da democratização, da inclusão e da transparência.

sábado, 15 de agosto de 2009

A gestão do conhecimento e o papel da universidade

O mundo das organizações vive constantemente sob o impacto do que poderíamos chamar das “grandes sacadas”, ou das auto-intituladas “última e revolucionária abordagem”, ou do também auto-intitulado “novo modo de encarar as coisas” etc. Tal perspectiva já fez a fortuna de muita gente, mudando ou não as organizações, e continua a despertar vocações inovadoras, ou em alguns casos apenas pretensamente inovadoras, que aconselham os discípulos a esquecerem tudo o que aprenderam anteriormente.
Foi mais ou menos assim com a gestão pela qualidade total, a gestão sistêmica, a reengenharia, a quinta disciplina, a gestão estratégica, o BSC e não podia ser diferente com a gestão do conhecimento. Independentemente de quão estruturantes ou transformadores sejam estes fenômenos de gestão, o seu ciclo de vida se parece muito com o tradicional ciclo de vida do produto, com fases de introdução, crescimento, amadurecimento, declínio e morte. Lá como aqui, em alguns casos, declínio e morte são substituídos por inovações que permitem uma nova inflexão na curva, reiniciando-se uma nova trajetória.
E a gestão do conhecimento? Como fica nesta história? Evidentemente, também ela não fica imune ao paradigma do ciclo de vida mas, antes de caracteriza-la, vamos compreender um pouco de sua gênese e condições de sobrevivência. Isoladamente as palavras “gestão” e “conhecimento” são tão antigas e já mereceram tanto estudo e pesquisa que quase diríamos, correndo o risco de sermos surpreendidos amanhã por um novo corte epistemológico bachelardiano, já não haver mais nada a dizer sobre elas.
Mas quando justapostas na articulação “gestão do conhecimento”, surge um mundo de possibilidades que evidentemente têm, como pano de fundo, a emergência das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC’s), aliadas às novas perspectivas e possibilidades com relação ao impropriamente chamado “capital humano”. Lembremo-nos de que na perspectiva da economia marxiana o capital era ou encerrava em si justamente o trabalho morto. E se há algo sobre o qual podemos afirmar que vive, e vive com as pessoas é o conhecimento, o qual Thomas Davenport define apropriadamente como “uma capacidade de agir”, essa sim, dependente das pessoas e passível de gerenciamento.
A universidade com os cientistas, professores, técnicos e estudantes que nelas habitam na condição de produtores, difusores e aplicadores de conhecimento, enfrentam os problemas relacionados a produção, desenvolvimento, difusão, aquisição e armazenamento do conhecimento, ou seja, com a sua gestão, há muito tempo. Mas somente quando este conhecimento passa a ser fator de diferenciação competitiva no mundo das empresas, e vira objeto de atenção dos seus departamentos de recursos humanos (RH) ou de experimentação das suas diretorias de tecnologia da informação (TI), é que o boom da sua discussão vai para as prateleiras dos livros mais vendidos nas livrarias, disputando espaço com os livros de auto-ajuda.
Gestão do conhecimento na universidade na maior parte das vezes esteve ligada a uma perspectiva individual. O cientista é um foco de produção de conhecimento que encontrou na universidade um ambiente fortemente marcado por quatro das cinco condições capacitadoras da criação do conhecimento organizacional formuladas por Nonaka que são a autonomia, caos criativo, redundância e variedade de requisitos. Se faltava ao ambiente a condição da “intenção”, esta sobrava ao próprio cientista, em geral um empreendedor que alia o conhecimento específico com a capacidade de agenciamento dos meios para a realização da sua tarefa, qual seja, da dispendiosa, complexa e dinâmica ciência, seus experimentos e sua difusão.
Não foi por outra razão que no auge da crise de financiamento público das universidades brasileiras nos anos 90 surgiram os dispositivos das fundações de apoio que deveriam ser, na prática, uma forma de apoio à reconhecida capacidade empreendedora do cientista. Esta capacidade estava fortemente contida pela crise da universidade, cada vez mais desaparelhada, incapaz de fornecer o suporte financeiro e estrutural às transações da tecnociência, dependente de redes materiais, da “assembléia de humanos e não-humanos” como dizia Bruno Latour. Há que se destacar neste momento o papel fundamental da Petrobras que, na ausência de uma política pública consistente, disseminou, através do Projeto Estratégico de Formação de Centros de Excelência, uma rede de cooperação universidade-indústria capaz de sustentar parte importante do sistema nacional de ciência e tecnologia.
O salto da gestão do conhecimento centrada no cientista-empreendedor para a gestão do conhecimento centrada na instituição universitária pressupõe a tão desejada mas nunca obtida indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Esta indissociabilidade foi prevista no Artigo 207 da Constituição Brasileira, o mesmo que, antecipando em alguns anos o conceito da condição capacitadora da autonomia defendida por Nonaka, previa também que a indissociabilidade deveria ocorrer numa universidade que gozasse de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Afinal de contas a “capacidade de agir” e portanto o conhecimento gerenciável da universidade para formar pessoas, produzir e aplicar conhecimento dependia de uma combinação absolutamente original de pessoas, estrutura e relacionamento em contexto de elevado risco, impossível de ser efetivado a partir do regramento jurídico tradicional de operação do aparelho de estado.
Resolver os seus próprios dilemas relativos a uma adequada gestão do conhecimento organizacional e, portanto da sua capacidade de agir é o desafio atual da universidade brasileira. Isso passa por uma série de mudanças que vão desde uma maior profissionalização da gestão até um ajuste de contas com a própria democracia universitária e seus compromissos com a sociedade brasileira, ou seja, a questão da articulação poder – gestão – estratégia está colocada e tem que ser tratada.
O recente programa de apoio aos planos de expansão das universidades federais (REUNI) foi um bom começo na medida em que retoma em parte o orçamento público da universidade vinculado a projetos e estratégias que as próprias universidades elaboraram. O êxito nesta tarefa será condição para que a universidade brasileira possa ser uma protagonista nesta que vem sendo apropriadamente chamada de uma era da informação ou, na expressão de Manuel Castels, da sociedade em rede. O Brasil precisa disso!

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A Universidade Brasileira precisa mudar

Estou divulgando o manifesto pela mudança na USP, publicado na Caros Amigos de agosto/2009, porque vejo o que ele tem de convergência com a necessidade de mudanças também em outras universidade públicas, particularmente naquela onde trabalho, a Universidade Federal Fluminense. Vivemos aqui um momento delicado onde a utopia de pensar uma universidade mais progressista, mais eficiente, mais comprometida com os desafios da formação de pessoas, da produção de conhecimento e sua aplicação são silenciados em prol de uma "realpolitik" de resultados, desprovida do ethos acadêmico e sem a participação da comunidade acadêmica organizada.
Vale a pena ler o texto da USP!

Saudações democráticas,
Emmanuel

MANIFESTO

A USP precisa mudar

A Universidade precisa mudar. A USP precisa modernizar-se sem perder suas tradições de qualidade. A USP precisa assumir suas responsabilidades para com a sociedade que a mantém. O momento de escolha do novo reitor é um momento apropriado para levantar idéias - para pensar grande! Não importa qual candidato cada um de nós irá apoiar: quem for eleito deve garantir a excelência de nossa instituição num quadro novo do mundo e do conhecimento, combinando a tradição de qualidade da USP com a agilidade necessária no mundo moderno.

As mudanças globais acentuadas pela recente crise criaram novos eixos de poder político e econômico no mundo e apontaram novas prioridades, gerando oportunidades para o Brasil. Se nossa Universidade está entre as que têm maior projeção no mundo, o dado decisivo é que ela figura entre as cinco primeiras dos países que hoje, mais que antes, estão de fato emergindo. Neste quadro, o papel da USP pode ser decisivo para que nosso país cresça e assuma o lugar por que todos ansiamos. Para o futuro chegar, a USP precisa mudar.

As mudanças implicam fortalecer os critérios de qualidade em todas as suas ações e mecanismos de gestão, a começar pela escolha de seu próprio reitor, favorecendo o predomínio da academia sobre os interesses menores. Isso exige subordinar os procedimentos burocráticos e de gestão às atividades-fim, despindo-os dos seus componentes ritualísticos e cartoriais.
A forma de escolha do reitor da USP precisa ser modificada no primeiro ano da futura gestão. É necessário assegurar uma participação mais ampla e representativa do conjunto da universidade na decisão final, sempre com o objetivo de aprimorar a qualidade das atividades-fim da universidade.

Novas formas de escolha do reitor devem ser discutidas com a comunidade acadêmica. Seja pelo reforço do atual colégio eleitoral do primeiro turno ou pela sua ampliação, estamos de acordo quanto à premência da mudança, quanto à importância de que qualquer reforma preserve e aumente a qualidade da USP, e quanto a pelo menos a eliminação do atual colégio do segundo turno.

Porém, as mudanças na estrutura do poder são apenas parte das alterações que garantam a melhora da qualidade de nossa instituição. Temos grupos fortes e altamente competitivos, ao lado de grupos incipientes ou que necessitam crescer ou se aperfeiçoar. A existência de grupos ou cursos de reduzida relevância acadêmica, quer no ensino ou na pesquisa, é sim responsabilidade da reitoria e das diretorias, e exige formas criativas de intervenção por parte das autoridades acadêmicas, visando a garantir que uns mantenham ou ampliem a sua liderança e outros passem a estar à altura da missão da USP. A instituição tem que atuar em conjunto, sinérgica e complementarmente, evitando a competição interna que arrisca desagregar o ethos comum da universidade.

A liderança e a competência intelectual de muitos Professores da USP edificaram a tradição de qualidade desta Universidade. Grupos e cientistas bem sucedidos também trazem significativas contribuições para a universidade, aplicadas em equipamentos, laboratórios, reagentes, instrumentos e bolsas. Mas as dificuldades criadas para infra-estrutura e gestão, acompanhadas muitas vezes de atitudes de rejeição à liderança destes cientistas nas estruturas departamentais, levaram a seu progressivo afastamento da vida da universidade: buscaram isolamento e independência, recorreram a mecanismos ágeis de gestão de recursos extra-universitários. Esses grupos têm que ser ativamente reincorporados ao funcionamento da instituição, seus líderes precisam receber incumbências compatíveis com sua expressão científica, os entraves administrativos e de gestão de recursos necessitam ser resolvidos e simplificados, para que a própria universidade possa assumir todas ou a maior parte das ações conduzidas por centenas de entidades que a ela vão se somando de forma incontrolada. Essas seriam importantes medidas para conter as forças centrífugas que tendem a desagregar a USP.

A USP tem o maior quadro de pesquisadores e especialistas entre as universidades brasileiras. Não pode isolar-se: sem se partidarizar, tem que dialogar com os governos e com a sociedade que a mantém. Além de sua missão educacional, a USP tem o dever de criar conhecimento, contribuir com soluções e prover especialistas para resolver gargalos e ajudar a promover o desenvolvimento do país.

Os desafios que o Brasil enfrenta são de duas ordens: déficits e oportunidades. O rol de tópicos nos quais a intervenção da USP pode ser de grande valor é muito amplo, e a título de exemplo dos nossos déficits sociais podemos lembrar a violência com suas múltiplas raízes; a desigualdade em todas as suas dimensões; a crescente poluição; o desnecessário antagonismo entre por um lado o desenvolvimento e por outro a biodiversidade e a culturodiversidade (por exemplo, a extinção de línguas indígenas, o estudo de culturas como a coreana e a boliviana, dois povos que estão se incorporando ao nosso dia a dia); o risco de que a capital de S. Paulo seja paralisada pelo trânsito, abafando sua pujança econômica, social e cultural; a extraordinária mudança do perfil demográfico, em que o crescente aumento da proporção de idosos se associa à extrema redução da natalidade, fenômeno que já afeta todas as atividades, do atendimento à saúde até o planejamento urbano, passando pelas relações de trabalho e a previdência social. Mas a maior contribuição que a USP precisa e pode dar ao país e ao Estado de S. Paulo, em proporção muito maior do que o faz, é com relação à educação em todos os níveis.

E há também as grandes oportunidades para o Brasil: podemos ser a primeira potência ambiental do planeta, temos especialistas capazes de liderar os grandes desafios que vão ditar o ritmo do crescimento dos diferentes países, como a biotecnologia, a nanotecnologia, a geração sustentável de energia, o uso da água. Nossa diversidade cultural pode revelar fontes de riquezas insuspeitas, que podem se converter em contribuições científicas, tecnológicas e sociais inovadoras.

A USP tem uma responsabilidade especial com o ensino de graduação especialmente com a qualidade e com as mudanças necessárias num mundo de profissões mais variadas, de uso intenso de instrumentos de educação a distância, de educação continuada de estudantes, profissionais e professores, com a criação, revisão, fusão e extinção de cursos. Ela deve levar cada vez mais em conta seu papel de propor modelos e iniciativas inovadoras, em lugar de repetir aquilo que outras instituições podem fazer em volume maior. Ela deve renovar a formação universitária, para que nossos alunos enfrentem uma vida que só pode ser abordada de forma interdisciplinar; deve entender que as profissões se multiplicaram e nem sempre estão ancoradas num diploma.

Para isso, a estrutura acadêmica e departamental tem que ser reformada, para se liberar do imobilismo e da burocracia que subordina o mérito ao rito. A burocracia universitária não é produto exclusivamente de uma elite de servidores, mas também do conservadorismo dos professores, especialmente aqueles encastelados em posições administrativas ou em milhares de comissões da universidade ou das unidades. Cabe ao reitor e pró-reitores quebrar a estagnação derivada do exercício cego e repetitivo das rotinas e observância inquestionável de regras que deveriam ser fugazes e transitórias e não transformadas em leis imutáveis.

A USP tem mais que o dobro dos programas de pós-graduação do que a universidade subseqüente. Abrange quase todos os setores do conhecimento em seus mais de 200 programas, 90% deles incluindo doutorado, caracterizados por alta qualidade e liderança. A USP já formou mais de metade dos doutores do Brasil, e hoje titula quase um quarto: essa própria redução é uma das provas de seu sucesso, pois grande parte dos novos programas de pós-graduação são liderados por egressos da USP, que hoje se encontram em todas as unidades da federação e em praticamente todas as universidades brasileiras. O Sistema de Pós-Graduação do Brasil deve seu formato e sucesso atuais em grande medida à USP. Por isso mesmo, cabe à USP a grande responsabilidade de renovar a pós-graduação. Sem abandonar as metas quantitativas, deve ela focalizar-se nos seus novos desafios, como por exemplo fazer um grande esforço para cursos que extrapolem as barreiras disciplinares clássicas, que lidem com a complexidade do mundo e do saber, em novas formas de articular os grupos de pesquisa e as áreas de pensamento.
Nesta nova visão deve ter um lugar muito proeminente o pós-doutorado, principalmente tendo em vista que os docentes e pesquisadores de todo o sistema brasileiro de pós-graduação, espalhado nas universidades mais tradicionais e naquelas que estão sendo expandidas, precisarão de apoio importante para manter e consolidar suas atividades científicas. Essa talvez seja a contribuição mais relevante que a USP possa dar no futuro para o sistema universitário brasileiro.

A avaliação é instrumento central na de gestão em qualquer instituição, pública ou privada. Avaliação é, também, elemento chave na definição de metas e na prestação de contas à sociedade. Avaliação de metas deve fazer parte da vida diária da USP, em todos os níveis. Não pode ser um fenômeno episódico, um exercício amadorístico, nem ser o foco de pressões de grupos variados dentro da própria universidade para controlar-lhe os desfechos. Deve ser um processo cujo produto final, no lugar de apenas alimentar as páginas dos noticiários, sirva à Reitoria, às diretorias e ao próprio governo para melhorar o desempenho da USP.

Em suma, precisamos de uma universidade dinâmica que, sem abandonar suas raízes, se mostre aberta às mudanças que garantam sua excelência. Seu reitor necessitará de autoridade científica, representatividade acadêmica e compromisso social para fortalecer as boas potencialidades, reunificando a instituição, restaurando-lhe o entusiasmo e o vigor, qualidades que devem estender-se a todos os que venham a participar da gestão. Somos nós, todos os que se empenham na qualidade universitária, que precisamos dizer como a USP deve ser, e buscar um reitor que tenha compromisso com as melhores idéias e real possibilidade de executá-las. Exortamos nossos colegas a trazer a público suas idéias mais preciosas, seus ideais mais valiosos, para que a sucessão reitoral ultrapasse a simples escolha de um nome e seja a ocasião de se reafirmar a ousadia científica e a responsabilidade social de nossa universidade.

Adalberto de Fazzio
Instituto de Física da USP

Glauco A. Truzzi Arbix
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

Hernán Chaimovich Guralnik
Instituto de Química da USP

Jorge Kalil Filho
Faculdade de Medicina da USP

Marco Antonio Zago
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP

Renato Janine Ribeiro
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

Vahan Agopyan
Escola Politécnica da USP

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Aos amigos peruanos

No último dia 26/07/09, domingo, o casal Marcia e Rodolfo Espinoza, ele de nacionalidade peruana e morador no Brasil, onde constituiu familia, há mais de 30 anos, receberam em sua casa amigos para comemorarem com um almoço típico a festa da independência do Peru, proclamada em 28 de julho de 1821. A hospitalidade de Rodolfo e Marcia de fato transcende a questão da celebração da independência do Peru, visto que eles recebem rotineiramente amigos em sua casa para celebrações as mais variadas.
Mas é notável de qualquer forma a preservação do sentido de pertença, de nacionalidade da comunidade peruana no Brasil que convive harmoniosamente com o seu espírito de festa, de celebração e também de integração na comunidade local. Na UFF eu conheço inúmeros docentes e técnico-administrativos peruanos, incluindo dois professores do meu departamento de origem (Departamento de Engenharia de Produção), o Prof. Luis Torres (segundo da direita para a esquerda na foto) e o Prof. Ruben Gutierrez. Na foto também, cujo detalhe em vermelho e branco quer lembrar a bandeira peruana, os professores Sonia e seu marido Marcos, ambos do Instituto de Matemática da UFF.
Como disse José de San Martin ao proclamar a independência do Peru, "Vida longa à pátria! Vida longa à liberdade! Vida longa à independência!". Vida longa à Marcia, Rodolfo e aos filhos, meus primos queridos, Rodolfo, Rafael e Lilian e todos os seus convidados.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Quem tem medo de Virginia Wolf?

Sai da última reunião do Conselho Universitário da UFF (29/07/09) com um filme na minha cabeça: ‘quem tem medo de Virginia Wolf?’ Este foi o nome de um clássico norte-americano que deu o Oscar a Elizabeth Taylor em 1966 e que trata de relações complicadas entre dois casais, intelectuais e professores universitários, sendo uma das mulheres a filha do reitor da universidade.
Em que pese as circunstâncias e problemáticas não serem estranhas aos nossos ambientes acadêmicos, minha indagação tinha razões menos pessoais e intimistas e mais metafórica porque eu me perguntava por que algumas pessoas têm tanto medo de levar a cabo a decisão já tomada pelo Conselho de realizar um plebiscito na universidade sobre os cursos pagos.
Medos e preocupações contudo são legítimos e fazem parte da nossa constituição humana... compreendo isso. O que não dá pra compreender e nem aceitar é a insistência subliminar em querer descumprir por meio da “enrolação” e procrastinação uma decisão já tomada pelo Conselho. Afinal será que ouvir a comunidade acadêmica é um lobo(Wolf)mau pra esse pessoal? Se for isso eu fico pensando como deve ser difícil dirigir uma instituição cuja voz se tem tanto medo de ouvir!

terça-feira, 28 de julho de 2009

Tecnopolítica, Planejamento e Universidade

A Superintendência de Arquitetura, Engenharia e Patrimônio da UFF (SAEP) realizou um seminário interno no dia 28 de julho de 2009 no Auditório do Instituto de Geociências, para debater a sua ação no âmbito do programa de expansão e reestruturação da universidade bem como discutir formas e mecanismos de relacionamento com a recém-contratada empresa que deverá prover assessoria na fiscalização de obras e serviços de engenharia na Universidade.
A SAEP é um bom exemplo de um órgão operacional da UFF que está tendo coragem de se reestruturar e enfrentar o desafio que lhe foi proposto a partir de um programa de expansão sem precedentes na história da universidade. Se os longos anos de vacas magras que atravessou a universidade pública brasileira comprometeram seriamente as políticas acadêmicas, foi nos órgãos operacionais que o comprometimento atingiu sua intensidade mais perversa. Dentre estes se destaca o órgão técnico de engenharia e arquitetura, as chamadas prefeituras dos campi.
Com orçamentos que mal cobriam seu custeio, as universidades não construíam um metro quadrado de obra desde a última expansão do Acordo MEC/BID nos anos 80 e, portanto seus órgãos de engenharia não praticavam nem engenharia, nem gestão de engenharia. Se aliarmos a isso a falta de concursos, a falta de capacitação e os níveis salariais precaríssimos, podemos imaginar o estrago que os adoradores neo-liberais do “estado mínimo” produziram também aqui, na universidade pública brasileira.
Pois bem, apesar disso a nossa SAEP aceitou o desafio! E o seminário interno refletia claramente sua disposição de superar as dificuldades. Na programação, além de convidarem representante da Universidade Federal do ABC (UFBAC), que vive experiência recente de construção de aproximadamente 100 mil metros quadrados, partindo praticamente do nada por se tratar de uma universidade nova, me convidaram também, na condição de presidente da Comissão Mista de Orçamento e Metas, para falar sobre a articulação entre o plano de expansão e reestruturação e o plano de desenvolvimento institucional (PDI) da universidade.
O PDI da UFF, apesar dos seus poucos anos de vida (sua primeira versão cobria o período 2003-2007 e a segunda cobre o período 2008-2012), é uma experiência bem sucedida de planejamento institucional da universidade. Diríamos mesmo que a sua existência não apenas cria condições para consolidação de um caldo de cultura pró-planejamento na instituição, mas o faz de forma participativa, transparente e democrática através da Comissão Mista de Orçamento e Metas.
A elaboração da versão 2008-2012 iniciou-se com audiências públicas realizadas em 2007 em todos os campi da universidade, tanto em Niterói quanto no interior. As demandas da comunidade foram sistematizadas no documento final que foi aprovado em sessão extraordinária do Conselho Universitário de 06 de maio de 2009. Esta versão, que está publicada na íntegra no site do PDI (www.pdi.uff.br), resgata os princípios e as diretrizes fundamentais do documento anterior, preserva o seu eixo central, que era “expansão de vagas e melhoria qualitativa dos cursos” e incorpora o plano de reestruturação e expansão aprovado anteriormente pela universidade.
Apesar disso, a perspectiva de construção de planejamento participativo na UFF não está isenta de riscos. Para Carlos Matus, ex-ministro do planejamento de Salvador Allende no Chile, e criador da metodologia do planejamento estratégico situacional que inspirou a criação da Comissão Mista como uma “sala de situações”, o planejamento “é o cálculo que precede e preside a ação”. O vínculo entre o cálculo que precede e o cálculo que preside é a informação correta e transparente. Se esta não existe, a resultante é um planejamento formal que apenas serve para atender às exigências burocráticas mas que não é capaz de transformar a instituição.
Este é o primeiro grande desafio para o planejamento participativo na UFF: a falta de transparência. Apenas a título de exemplo, podemos citar a publicação no Diário Oficial no. 137 de 21 de julho de 2009, na Seção 3, de um extrato de dispensa de licitação transferindo para a Fundação Euclides da Cunha o valor de R$ 755.118,00 para fins de “apoio e gerenciamento do Projeto Desenvolvimento das Ações Estratégicas e Operacionais Execução do Plano de Expansão e Reestruturação – PDI” que no entanto não é do conhecimento da Comissão Mista, responsável tanto pelo PDI quanto pelo Plano de Expansão e Reestruturação.
Outro risco que pode ameaçar o planejamento participativo da universidade diz respeito às imbricações tecnopolíticas. Órgãos de engenharia e arquitetura, pela sua importância na intervenção e execução concreta dos investimentos públicos, sempre foram objeto de assédio de governantes, gestores e políticos pouco afetos à democracia como método de alocação ótima de recursos. É a chamada “lógica da execução”, uma forcinha aqui outra ali, de modo que ande melhor e mais rápido as obras dos aliados. Ocorre que esta prática acaba com a confiança institucional no planejamento, denigre o esforço profissional do órgão técnico e predispõe a comunidade para a descrença na eficiência da gestão pública. Sua constatação é difícil e o antídoto é o apoio institucional transparente a estes órgãos técnicos na proteção e preservação da sua integridade tecnopolítica.
É por essa razão que o seminário realizado pela SAEP deve ser merecedor dos aplausos, da atenção e do acompanhamento de todos os que acreditam que é possível e absolutamente necessário que a universidade pública seja transparente, democrática e eficiente e que técnica, cultura e política não são separadas, influenciando-se e determinando-se umas às outras.

sábado, 25 de julho de 2009

Ciência e Gestão na Universidade Brasileira

O escritor e futurista norte-americano Alvin Toffler, que notabilizou-se com a publicação da trilogia “Choque de Futuro” (1970), “A terceira onda” (1980) e “Powershift: as mudanças do poder” (1990), afirmou em uma de suas análises sobre a chamada sociedade do conhecimento que então começava a se configurar, que a característica cognitiva mais importante a ser desenvolvida neste contexto seria a de saber aprender, saber desaprender e saber reaprender.
Essa citação foi utilizada por Sílvio Meira, professor da Universidade Federal de Pernambuco, um dos fundadores e atualmente cientista-chefe do CESAR/UFPE (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), para falar da sua experiência como um cientista em busca de um modo de fazer sua ciência e torná-la relevante e útil a partir da condição de professor universitário em Recife, fora do eixo Rio-São Paulo, tendo que interagir com inúmeros e heterogêneos atores que vão desde seus colegas universitários até empresários, passando por políticos e dirigentes de órgãos públicos.
Silvio Meira participava do VII Seminário Nacional do REUNI (Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), ocorrido em Brasília entre os dias 22 e 24 de julho de 2009 e que tinha por tema “A universidade e suas relações com o meio externo”. A intenção do Ministério da Educação, conforme expresso pela Secretária de Educação Superior Maria Paula Dallari Bucci, era a de trazer luz sobre a complexa relação da universidade com o meio externo particularmente naquelas áreas mais problemáticas dessa relação que envolvem financiamento externo e privado, a fim de se desenvolver e propor termos para a regulamentação da autonomia universitária, pedra de toque do esforço da Secretária para responder às exigências do Acórdão 2731 do TCU.
A citação de Toffler parece oportuna para lidar com situações de transição, onde o “já era” e o “ainda não” não estão nitidamente separados, onde a regra do jogo é desconhecida ou não dominada pelos jogadores ou, pior ainda, a regra muda a cada jogo e onde a coragem para correr riscos é a condição para construir algo que se intui importante mas não se sabe como nem com que parceiros. Essa parece ser a condição dos cientistas empreendedores nas universidades públicas na virada dos anos 80 no Brasil.
Gibbons et all ainda não tinham escrito o seu “The new production of knowledge: the dynamics of science and research in contemporary societies” (1994) e portanto ainda não tínhamos o conceito do Modo 2 da produção do conhecimento, aproveitando a categoria de modo de produção dos historiadores e cientistas sociais, pra definir a forma como o conhecimento vinha sendo produzido, no contexto da aplicação, focado no problema e desenvolvido por equipes interdisciplinares, em contraposição ao Modo 1 de produção, acadêmico, baseado em disciplina e conduzido pelo pesquisador. A Lei de Inovação ainda nem tinha começado a ser pensada.
O novo modo de produzir conhecimento não é uma questão de opção do cientista mas o desdobramento de uma economia que se globalizava e complexificava e os problemas não são mais linearmente eliciados a partir das disciplinas. Bruno Latour, no seu “Jamais Fomos Modernos”, lança a pergunta “quem vai resolver o problema do buraco na camada de ozônio?” numa referência a que os departamentos universitários, nascidos da perspectiva analítica da ciência moderna, não eram mais suficientes para enquadrar os imensos e multidisciplinares desafios colocados pelo mundo real.
Essa é a origem do imbróglio que o sistema de educação superior no Brasil vive hoje, desde que por falhas reconhecidas porém menores de um dos mecanismos criados pelo precário marco regulatório do sistema nacional de ciência e tecnologia, a saber as fundações de apoio às universidades, estas foram, equivocadamente, colocadas na mira dos órgãos de controle externo como instrumentos não compatíveis com o jogo republicano e democrático.
Tudo indica e esperamos que seja apenas uma crise de crescimento. Apenas um momento em que, por conta da retomada da capacidade de investimento do sistema de educação superior no Brasil, o sistema universitário se reaparelha, reconstrói (ou constrói pela primeira vez em muitos casos) a sua capacidade de fazer ensino, pesquisa e extensão de forma eficiente, planejada e sintonizada com as demandas da sociedade brasileira.
Há problemas sem dúvida e que devem ser enfrentados. É preciso aperfeiçoar e consolidar o ainda tão recente marco regulatório inaugurado com a Lei da Inovação, sancionada somente em dezembro de 2004. É necessário que a governança do sistema seja compatível com a complexidade do fazer acadêmico e isso não se faz sem a coragem de se tratar de forma articulada as imbricações entre gestão e poder. É necessário que o ethos acadêmico da excelência e da avaliação sistemática transborde também para os aspectos da gestão universitária. É necessário criar mecanismos permanentes de capacitação de pessoal técnico, a semelhança do que já foi feito no tocante a capacitação docente, priorizando-o no interior das universidades.
Fundamentalmente, e acho que este é o desafio do VII Seminário do REUNI, é preciso combinar a necessidade de regular com a delicadeza de não engessar e pasteurizar as iniciativas inovadoras que surgem a cada dia nas universidades. É preciso ter a flexibilidade para que possam surgir permanentemente no universo do sistema dispositivos como o CESAR/UFPE (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife) mas também dispositivos como a COPPE/UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ). É preciso incentivar permanentemente os cientistas empreendedores individuais no interior da universidade mas ao mesmo tempo apropriar-se enquanto instituição que aprende, de capacidade empreendedora institucional viabilizando a universidade empreendedora.
Retomando a citação de Toffler que iniciava este artigo, é preciso aprender a operar em um novo paradigma da produção do conhecimento e em um novo marco regulatório. Mas é preciso também desaprender a utilizar os dispositivos como a fundação de apoio para fins diferenciados daqueles para os quais eles foram criados. E é preciso, finalmente, reaprender a operar o conjunto do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação de forma integrada e com vistas a tornar a ciência brasileira apta a cumprir a missão que lhe é atribuída pelo Galileu de Bertold Brecht que sustenta que “a única finalidade da ciência é aliviar a canseira da existência humana”.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Clube de leitura e de vida!

Hoje, 27/02/09, foi dia de reunião do Clube de Leitura que se encontra para conversar na Livraria da UFF toda última sexta-feira de cada mes. O livro discutido foi "Órfãos do Eldorado", de Milton Hatoum, publicado pela Companhia das Letras em 2008.
Decididamente, este é um grupo bom de se pertencer. Seu traço mais marcante, se eu tivesse de escolher um, é a liberdade. Liberdade que permite que "leigos" e "ordenados" defendam seus pontos de vista com uma singeleza que, confesso, é rara, particularmente na academia, tão marcada pela mau humorada "meritocracia".
Enquanto isso, vai desfilando pela nossa frente a cegueira em ensaio de um Saramago, o emburrado Casmurro de Machado, a maluquinha da filha do escritor do Gustavo Bernardo (que brindou o grupo com uma participação riquíssima... a melhor oficina sobre como um escritor produtivo escreve de que eu já participei) e agora a rica contação de "causos" mitológicos, alinhavados em torno de uma estória de amor e sacanagem (no sentido político do termo, o mais usual evidentemente) que têm o horizonte do Eldorado (um navio que afunda, uma ilha que abriga leprosos e um lugar perdido no horizonte). Legal... muito legal...
Tudo isso acontecendo dentro de uma livraria universitária, com cafezinho, pãozinho de queijo e cachacinha especial da safra do diretor da EDUFF, o escritor Mauro Romero, que além de livros científicos na sua linha de pesquisa em DST (doenças sexualmente transmissíveis), também é um contador de "Casos e Causos Médicos".
O grupo já escolheu democrática e anárquicamente o que vai discutir nos próximos dois meses: no final de março "A elegância do ouriço" de Muriel Barbery e no final de abril "Dois irmãos", novamente do Milton Hatoum.
De fato... este é um grupo bom de pertencer...

Faculdades em transição

Por Editorial - Folha de São Paulo, 27/02
27 de fevereiro de 2009 14:45
É descabida a reivindicação, pelo Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, de uma linha de financiamento subsidiada com dinheiro público para enfrentar supostos efeitos da crise econômica em seu ramo de negócio. A sobra de vagas nas instituições privadas antecede a crise e decorre, em realidade, de uma saturação. Não há por que socorrer o setor, que deve ajustar-se por mecanismos de mercado.
A razão mais saliente a desaconselhar o socorro está na substancial ajuda oficial que universidades particulares já recebem. Com o Programa Universidade para Todos (ProUni) a União abrirá mão de R$ 394 milhões em impostos neste ano para custear a ocupação de vagas privadas por alunos de baixa renda. Em 2008, foram 225 mil vagas.
Se 42% das instituições ouvidas em pesquisa do sindicato setorial paulista anunciam que terão menos alunos novos em 2009, isso não resulta de falta de capital. O subsídio que o BNDES já considera conceder serviria só para dar fôlego a cursos insustentáveis, por falta de demanda, e muitas vezes de má qualidade. Condicionar o crédito ao cumprimento de padrões de ensino, como se cogita, parece apenas um pretexto, pois já é obrigação do Estado exigir essa qualidade.
O crescimento vigoroso do ensino superior privado nos últimos anos teve o mérito de oferecer oportunidades de estudo a uma grande parcela da sociedade que estava tradicionalmente alijada desse benefício. No Estado de São Paulo, o número de instituições passou de 266 para 496 de 1997 a 2007, um aumento de 86%. Em escala nacional, o setor crescia a taxas de 10% anuais, mas de 2006 a 2007 estacionou.
O segmento deve agora passar por uma consolidação natural, processo do qual se espera que emerjam instituições mais robustas -sob o prisma financeiro e o pedagógico.

COMENTÁRIO MEU: Só faltava essa... no momento em que o Estado brasileiro começa a recuperar o sistema público de educação superior, com expansão de vagas e reestruturação, ter que socorrer um sistema privado que inchou artificialmente, no rastro do estrangulamento do sistema público e, salvo raríssimas e honrosas exceções, com ensino de péssima qualidade.
Está certo o editorial da Folha no diagnóstico de "descabida" aplicado à reivindicação. Descabida e inoportuna!

Universidade pública cobrava mensalidade

Por O Globo, 27/02
27 de fevereiro de 2009 06:57
BRASÍLIA. O Ministério da Educação (MEC) determinou nesta quinta-feira à Fundação Universidade do Tocantins (Unitins) que deixe de cobrar mensalidades em seus cursos de graduação à distância. O MEC ainda proibiu a instituição de realizar vestibulares e admitir novos alunos em todos os polos de ensino. Em 2008, segundo o MEC, 35 mil alunos ingressaram na Unitins.
A Unitins é a segunda maior instituição de ensino de graduação à distância do país, com cerca de 93 mil estudantes, segundo o ministério. A universidade é vinculada ao governo de Tocantins. O MEC entende que, na condição de instituição pública, ela desrespeita a Constituição por não oferecer cursos gratuitos.
A medida cautelar da Secretaria de Educação à Distância exige que a Unitins ofereça cursos gratuitos e assine um termo de compromisso com o MEC para melhorar o ensino. O secretário de Educação Superior, Carlos Eduardo Bielschowsky, disse que a Unitins expandiu-se em parceria irregular com a empresa privada a Eadcon.
Procurada pelo GLOBO, a Eadcon não se manifestou.

O Globo, 27/02

Comentário meu: É importante que a educação superior tenha saído do limbo e esteja na mídia no Brasil. Isso acontece tanto devido ao tamanho da expansão que se constrói a partir do REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, Decreto 6.096 de 2007) quanto, infelizmente, por conta de alguns escândalos envolvendo as relações entre as Universidades e suas Fundações de Apoio. O descontrole que permitia que situações como a descrita acima acontecessem felizmente começa a ser enfrentado. É importante neste processo que não se "jogue a criança fora junto com a água suja do banho", como reconhece a sabedoria popular. É neste contexto que surge e toma corpo a discussão em torno da "autonomia universitária", sobre a qual falarei mais pra frente.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

De sístoles e diástoles... carnaval e quaresma...

Terça-feira de carnaval, terça-feira gorda, mardi gras... preparemo-nos porque amanhã começa a jornada de 40 dias magros, de penitência e privação... amanhã começa a Quaresma. Qual o sentido disso no mundo de hoje?
Roger Haight, teólogo católico e professor de teologia histórica e sistemática na Weston Jesuit School of Theology (Cambridge, Massachusetts), no livro "O futuro da cristologia" (São Paulo: Paulinas, 2008), ao tentar caracterizar o ambiente intelecutual dominante no mundo globalizado, chamado por alguns de uma nova cultura pós-moderna, aponta para quatro características que poderiam ser tomadas como distintivas de uma nova maneira que pessoas instruídas vêem o mundo hoje.
A primeira das quatro características trata de uma consciência histórica radical. Se na modernidade a evolução parecia implicar um desenvolvimento progressivo, a pós-modernidade suspeita dos universais, sendo tomada por um sentimento de que a existência humana está à deriva, orientada tão somente pela força interna da natureza e da história.
A segunda característica se refere a emergência de uma consciência social crítica. Noções de verdade e valor tornam-se mais tímidas, mais locais, não transcendendo facilmente uma organização social particular. A racionalidade autônoma do iluminismo é constrangida, tornando-se mais modesta pela alteração do arcabouço de julgamento.
A terceira característica aponta para uma consciência pluralista. A cultura ocidental não mais controla o centro pois não há um único centro, mas tão-somente uma variedade de centros locais de pensamento. Nenhum indivíduo ou grupo ou cultura individual pode esboçar ou possuir uma metanarrativa que abranja o todo. A verdade só é alcançável em fragmentos com os quais se deve trabalhar coletivamente não para superar o pluralismo mas para se beneficiar dele.
Finalmente, a quarta característica informa que a pós-modernidade implica uma consciência cósmica. Está se tornando cada vez mais difícil conceber que o homo sapiens terreno seja o centro da realidade e não um epifenômeno.
Essas características no seu conjunto - consciência histórica radical, social crítica, pluralista e cósmica - apontam para uma cultura intelectual que funciona como uma espécie de premissa implícita e filtro heurístico para avaliar o que se apresenta como pretensão à verdade. E a primeira exigência do que se apresenta como pretensão à verdade é a não-hipocrisia.
No Evangelho de Mateus (Mt 6, 1-6.16-18) que dá início à liturgia da quaresma, Jesus vai chamar a atenção para as três dimensões de relacionamento - com o outro (dar esmolas), consigo mesmo (jejuar) e com Deus (orar) - que podem ser feitos com disposições e motivações bastante diferentes. Ao relacionamento que é feito para ser visto pelos homens e não pelo relacionamento em si mesmo, Jesus dá o nome de hipocrisia, de não-verdade, cuja recompensa será o fato mesmo de ser visto (afinal, era pra isso que ele se destinava). Note-se que há uma recompensa real, seja qual for o modo com que se constituam tais relacionamentos.
Para o relacionamento em Verdade, Jesus chega a propor um programa: que a mão esquerda não saiba o faz a direita quando estiver dando esmola; entrar no quarto e fechar a porta quando estiver orando; perfumar a cabeça e lavar o rosto quando estiver jejuando.
Este parece ser um programa que dialoga com uma consciência histórica radical, social crítica, pluralista e cósmica. Um programa que, superando a hipocrisia, toma a sério a construção de relacionamentos transformadores. A recompensa... o Pai, que vê o que está escondido, proverá.
Comecei estes comentários na terça-feira gorda mas só consegui acabá-los (pelo menos provisoriamente) na quarta-feira de cinzas, aguardando ansiosamente a Páscoa que me espera no final da travessia.
Shalom! שָׁלוֹם

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Pra começo de conversa!

Bom, dizem que tudo na vida tem um começo. Até mesmo fazer um blog, tornar-se um "bloggeiro" (quem diria!!!). No meu caso particular (deve ser só o meu mesmo), essa história teve várias fases. Primeiro, um certo desprezo, de quem se sente superior a essas novidades, coisa de gente que não tem o que fazer. Gente que não consegue extrair o máximo que as tecnologias até aqui existentes podem fornecer em matéria de prazer e facilidades.
Depois veio uma certa sensação de que esse negócio parece ser interessante mesmo mas eu não tenho muito saco. Essa fase evolui rapidamente para uma sensação de que só eu que não tenho blog. Aí o cosmo inteiro parece conspirar contra você. Todo jornal que cai nas nossas mãos vem com alguma reportagem sobre as maravilhas revolucionárias do blog. Todo grupinho de amigos, toda roda de cerveja, só se fala no tal do blog. Aí não tem jeito. Meio sem jeito, você vai, de mansinho, e arrisca o primeiro pitaco.
De repente estou aqui. Falando do começo. Bem no começo.