sábado, 24 de outubro de 2009

A UFF e o Planejamento

O planejamento é “o cálculo que precede e preside a ação”, conforme o definia Carlos Matus, Ministro do Planejamento do ex-presidente Salvador Allende do Chile. Portanto, o planejamento não é apenas o que precede a ação, o que vem antes de iniciar o trabalho concreto mas também o que preside, o que dirige, o que acompanha e o que aperfeiçoa a ação, corrigindo os desvios e melhorando os cálculos das próximas ações.
Essa idéia do planejamento é tão antiga que podemos encontrá-la até mesmo na Bíblia, no Evangelho Segundo São Lucas, onde Jesus chama a atenção para a importância de se calcular previamente as coisas para depois não ficar com obras pela metade. Jesus apresenta o exemplo de um homem que queria construir uma torre e tinha que calcular antes pra ver se conseguiria chegar até o fim com os recursos que dispunha ou que poderia obter. Veja como Jesus conta o caso em Lucas 14, 28-30:
Pois qual de vós, querendo edificar uma torre, não se assenta primeiro a fazer as contas dos gastos, para ver se tem com que a acabar? Para que não aconteça que, depois de haver posto os alicerces, e não a podendo acabar, todos os que a virem comecem a escarnecer dele, dizendo: este homem começou a edificar e não pôde acabar.
Nenhuma organização, pública ou privada, nenhuma instância de Governo, seja Federal, Estadual ou Municipal pode dispensar o planejamento de suas ações sem sérias conseqüências para os seus próprios objetivos, para a sua Missão. No caso do setor público o planejamento é uma necessidade legal pois trata-se de condição fundamental para o uso transparente de recursos públicos.
Paradoxalmente, no entanto o Reitor da UFF não partilha desse pensamento. Até onde podemos acompanhar insiste em não compreender e/ou utilizar as boas práticas e os dispositivos do planejamento. O Orçamento e a Prestação de Contas anuais por exemplo, que poderiam ser a vitrine de uma condução democrática, transparente e eficiente da universidade, são transformados em peças de ficção, despojados totalmente do seu caráter e da sua força como instrumentos do planejamento, desrespeitando inclusive o Conselho Universitário e o Conselho de Curadores que são os órgãos que devem aprovar, no final das contas, estes documentos.
O Orçamento Anual, cuja proposta inicial, definida através de um levantamento intitulado Quadro de Detalhamento de Despesa (QDD), deve ser enviada ao MEC no primeiro semestre do ano anterior ao ano cujo orçamento se elabora, não reproduz nunca as demandas reais da instituição, é preparado de forma burocrática, nos limites finais dos prazos legais, de forma que não possa mesmo ser discutido e muito menos questionado.
A Comissão Mista de Orçamento e Metas, um espaço de planejamento institucional democrático e aberto criado em 2003 e que se reúne toda semana no Instituto de Física para discutir, elaborar e propor o Plano de Desenvolvimento Institucional da UFF, tenta avançar progressivamente para além da mera discussão dos 17% de OCC atribuídos aos programas do PDI, mas não consegue obter as informações necessárias, não tem acesso à caixa-preta das chamadas despesas fixas que consomem 73% dos recursos de OCC e não possui informações acerca dos valores operados via fundação de apoio, que manipula anualmente um montante de recursos que já ultrapassa todo o orçamento de custeio e capital da própria universidade.
A Prestação de Contas Anual, que por determinação do Conselho Universitário deveria ser apresentada e examinada quadrimestralmente, não é apresentada nos prazos corretos e a prestação do final do ano é apresentada em reunião extraordinária do CUV convocada com prazos exíguos, que impedem definitivamente qualquer conselheiro de examinar minimamente o documento. Na prestação de contas de 2008 pude constatar, e denunciei no próprio plenário do CUV, a existência de problemas de estrutura, de linguagem e de matemática no documento apresentado, que fora encaminhado ao Conselho nas vésperas da sessão extraordinária. Pesa sempre sobre os conselheiros a ameaça de que se não aprovarem aquela prestação de contas tal como está a universidade ficará sem orçamento no ano seguinte. Agindo dessa forma com a Prestação de Contas perde-se a oportunidade de utilizá-la para aperfeiçoar as bases orçamentárias da instituição, verificando onde houve discrepâncias, avaliando-se suas causas, formulando ações corretivas e melhorando o próprio orçamento do ano seguinte.
Por que o dirigente máximo da universidade age dessa maneira? Sabemos que os neo-liberais de todos os matizes e os autoritários de todas as vertentes nunca gostaram de planejamento, argumentando que o “mercado” planeja sozinho. De fato o planejamento, quando bem feito, deixa claro quais são os investimentos e forma de alocação de recursos desejados pela comunidade, respeita as prioridades definidas por esta através dos mecanismos democráticos e elimina ou reduz significativamente a chamada “política de balcão”, pedra de toque do dirigente clientelista que busca transformar a alocação de recursos públicos em um favor que presta à comunidade. Este dirigente adora dizer que passando por ele está resolvido e pra isso ele precisa de recursos não transparentes. A universidade já tem uma estrutura que facilita este tipo de prática que é um culto à personalidade elevadíssimo centrado na pessoa do reitor, o Magnífico.
Vivemos particularmente um momento em que todas as universidades federais do país não apenas tiveram aumento nos seus orçamentos anuais como também, por conta do processo de expansão, tiveram acesso a recursos para investimentos, obras, contratação de professores e técnico-administrativos como não acontecia há muitos anos. Tudo isso vinculado a um Acordo de Metas assinado com o Ministério da Educação que fixa resultados esperados em termos de expansão do número de vagas que não são fáceis de serem alcançados. Usar os recursos repassados fora do que fora planejado, segundo critérios não transparentes e não discutidos com a comunidade acadêmica, pode comprometer seriamente nos próximos anos a integridade do fazer acadêmico e a autonomia didático-pedagógica, financeira e administrativa da instituição.
Embora tenha havido o “cálculo que precede” no início da expansão, liderado por equipes indicadas no Conselho Universitário e pela Comissão Mista de Orçamento e Metas, não está havendo na medida necessária o “cálculo que preside”, quando o recurso já está na universidade e passa a ser tratado como capital político de interesse particular do Reitor. É hora portanto das forças progressistas e democráticas da universidade ficarem atentas sobre o que irá acontecer com os dois instrumentos centrais do planejamento que são, para utilizar a terminologia do Carlos Matus, “o cálculo que precede” (o Orçamento 2010) e “o cálculo que preside” (Prestação de Contas 2009) a ação. Não é prudente deixar de examinar com cuidado estes instrumentos para que não suceda com a nossa universidade o que poderia ocorrer com o tal homem relatado por Jesus no Evangelho de Lucas que construía um torre sem os cuidados necessários para que ela não ficasse inacabada.

Um comentário:

  1. É sempre um perigo uma auto-confiança exagerada. Há necessidade de se avaliar questões por visões difentes.Acho que a isto chamamos democracia. Precisamos de guardiões dos interesses de toda a comunidade universitária, até para dividir sucessos e consertar os fracassos. Muitas cabeças sempre hão de pensar melhor se forem presididas por pessoas transparentes e democráticas. Parabéns por seu artigo de alerta!

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