sexta-feira, 4 de setembro de 2009

De Sucupiras e Odoricos: dores de parto de uma universidade que teima em não ser como o Senado

Esta semana, na luta surda que se trava na Universidade Federal Fluminense em torno da sucessão do atual reitor, cuja eleição deve ocorrer em maio de 2010, um professor da Escola de Engenharia publicou um e-mail para a comunidade acadêmica onde se percebe que o silêncio dos cemitérios, por mais que agrade aos Odoricos Paraguaçus de todos os tempos, não conseguirá jamais calar a voz da academia na sua busca da excelência crítica do ensino superior. Sensibilizado pela fala do colega da engenharia resolvi responder à provocação, botando mais lenha na fogueira. Eis a íntegra da minha resposta, seguida pela mensagem do colega da engenharia.

Prezado colega Heraldo,

Peço que você publique esse meu comentário-resposta para o mesmo universo de pessoas que receberam a sua comunicação inicial. Isso é um princípio da democracia que julgo importante e que tenho certeza que compartilhamos.
Quero me solidarizar inteiramente com a sua postulação. Podemos ter todas as divergências em questões substantivas mas não tenho nenhuma dúvida em afirmar que estamos entre os que almejam e lutam por uma universidade pública de qualidade, competente e capaz de levar a bom termo a missão constitucional de fazer com autonomia e de forma indissociável o ensino, a pesquisa e a extensão no nosso país.
Desde que recebi há dois dias atrás o informe do INEP acerca do IGC que me preparava para fazer a avaliação que você tão bem fez, antecipando questões que precisam ser objeto de análise cuidadosa das instâncias responsáveis por políticas institucionais na nossa universidade, quais sejam o Conselho Universitário, Conselho de Ensino e Pesquisa e o Conselho de Curadores. Precisamos abandonar a prática de querer transformar tudo em mera peça de campanha, divulgando o que interessa e não se manifestando sobre o que obriga a reflexões. Foi assim que aconteceu com o resultado do "Webometrics Ranking of World Universities", que por colocar a UFF em 23o. lugar no ranking da América Latina mereceu destaque na nossa página institucional, diferentemente do que aconteceu com a publicação do IGC que coloca a UFF com o mais baixo índice entre as universidades públicas do Estado do Rio de Janeiro e por essa razão não é sequer divulgado.
A Universidade deve ser o lugar por excelência das conversações tecno-politicas, científicas e culturais e, por essa razão, vejo com bons olhos todos os que não temem o debate, como é o seu caso. Expor-se é o método da ciência, ao contrário do esconder-se que é o método da baixa-política que leva a escândalos e atos secretos como o que vive atualmente a mais alta instância política do nosso país, o Senado Federal.
Estamos vivendo neste exato momento uma situação absolutamente esdrúxula em torno da tentativa da cúpula dirigente da universidade (da qual estou fora, mesmo sendo, infelizmente, o Vice-Reitor de um Reitor autoritário e anti-democrático com o qual não compactuo definitivamente há um bom tempo) de escamotear, procrastinar ou descumprir a decisão já tomada pelo Conselho Universitário de realizar um plebiscito sobre a questão dos cursos pagos na universidade.
O método do autoritarismo é sempre o mesmo: ao invés do debate, as manobras procrastinatórias e regimentais que operam no sentido de impedir que a universidade fale, se manifeste, se expresse. Recentemente escrevi no meu blog (http://blog-do-emmanuel.blogspot.cm) um artigo intitulado “Quem tem medo de Virginia Wolf?” onde procuro refletir porque que os reacionários têm tanto medo do debate, preferindo a fraude ao enfrentamento. Curioso é que este não parece ser o comportamento dos meus colegas professores que coordenam cursos pagos na universidade e preferem debater abertamente com a comunidade acerca da relevância social e estratégica do que fazem do que serem prisioneiros dos “falsos protetores” que criam de um lado dificuldades para venderem de outro, as facilidades.
Recentemente comentei em um e-mail restrito aos que trabalham no meu Gabinete, mas que acabou vazando pra boa parte da UFF, sobre um processo de “sucupirização” da nossa universidade, numa referência à saudosa criatividade de Dias Gomes que retratou tão bem a baixa política no nosso país através da novela “O Bem Amado”, projetando a triste figura de um Odorico Paraguaçu, cuja única finalidade como dirigente máximo da cidade de Sucupira, na sua política de resultados, era encontrar um “morto” pra poder inaugurar o cemitério que se tornara a sua obra de maior relevância.
Vivemos situação não muito diferente na nossa universidade. O REUNI trouxe uma quantidade de recursos de toda ordem para a universidade, incluindo recursos de capital para a construção de prédios e reformas, recursos de pessoal, com a contratação de centenas de professores e técnicos, e recursos para organização da gestão, com CDs e FGs que estão sendo distribuídos fartamente segundo uma lógica meramente eleitoreira (evidentemente que toda lógica eleitoreira procura também fazer algumas coisas acertadas, até mesmo pra justificar a sua verdadeira intenção eleitoreira). Alguns colegas com quem tenho comentado essas questões levantam sua preocupação no sentido de que tomara que o “morto” almejado pelo neo-Odorico não seja a própria UFF.
Apenas pra se ter uma idéia do que estou falando, há pouco tempo atrás o Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, exibindo resultados e metas físicas invejáveis, inclusive aprovadas na prestação de contas de 2008 da universidade, foi afastado de suas funções numa jogada absolutamente micro-geo-política. A violência do ato foi encoberta entretanto com um convite para que o ex-Pró-Reitor se tornasse assessor do reitor com direito a gratificação compensatória. Agora aconteceu a mesma coisa no caso do Pólo de Volta Redonda. O ex-Diretor, com resultados considerados altamente satisfatórios do ponto de vista operacional, mas envolvido em disputas políticas locais, é substituído por um interventor de fora de Volta Redonda (como você muito bem registra na sua carta) mas, para deter a indignação que tal ato arbitrário poderia provocar, o diretor afastado é convidado a ser “assessor” do Reitor. Nada mais provinciano, fisiológico e desonesto do ponto de vista da lógica acadêmica.
Enfim, prezado Heraldo, estou plenamente de acordo com você quando diz que “diferenças políticas entre grupos numa universidade existem, são legítimas e normais. Numa universidade democrática, essas diferenças são resolvidas no voto”. Também eu penso assim e propugno não apenas eleições diretas já no Pólo de Volta Redonda como também no de Rio das Ostras, de Friburgo e de Campos. O maior disparate que já ouvi de um dirigente universitário foi quando o reitor da UFF, numa reunião com dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da UFF, afirmou que não fazia eleição em Volta Redonda porque lá nem todos podiam votar então ele votava por todos. Definitivamente, não quero esta UFF e para evitarmos a dolorosa vivência do outono do patriarca proponho que lutemos pela primavera da liberdade.
Saudações acadêmicas,
Emmanuel

O IGC E O OUTONO
Heraldo, professor do Departamento de Engenharia Mecânica
“A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.”
Ricardo Reis, 1-7-1916

Caros colegas, eu havia decidido ficar um bom tempo sem me manifestar publicamente em relação a assuntos da UFF. Contudo, fatos recentes me convenceram a retomar a nossa saudável corrente de discussão.
Para alguém que esteja recebendo pela primeira vez uma mensagem minha, a regra é simples – caso não deseje receber mais mensagens, basta responder a esse e-mail solicitando ficar fora da lista. Muitos me perguntam porque eu estou adotando um estilo eventualmente hermético e metafórico em algumas das minhas mensagens, parecendo um daqueles filmes antigos do Carlos Saura – difíceis de entender devido a uma linguagem muito cifrada. Eu explico - assim como o famoso diretor espanhol, sei que em rio que tem piranha, jacaré nada de costas. Meus motivos são parecidos com os dele, é claro.

O IGC 2008
Recentemente foi divulgado pelo MEC o Índice Geral de Cursos da Instituição (IGC) referente ao ano de 2008. Já comentei bastante sobre este índice no ano passado e, caso haja interesse, posso enviar por e-mail a quem solicitar o material em minhas mãos (metodologia, dados estatísticos , etc.). Basicamente o IGC é um indicador para avaliação de instituições de educação superior que considera, em sua composição, a qualidade dos cursos de graduação e de pós-graduação (mestrado e doutorado). No que se refere à graduação, é utilizado o CPC (conceito preliminar de curso) que leva em consideração, além de resultados de avaliação de desempenho de estudantes, infra-estrutura e instalações, recursos didático-pedagógicos e corpo docente. No que se refere à pós-graduação, é utilizado o conceito dos cursos na CAPES. O resultado final está em valores contínuos (que vão de 0 a 500) e em faixas (de 1 a 5).
O IGC da UFF foi de 306 em 2007 e de 308 pontos em 2008, sendo a universidade pública com o IGC mais baixo no Estado do Rio de Janeiro.
Algumas observações:
(1) a avaliação da UFF, como no ano passado, foi excelente para os cursos de Pós-graduação e ruim para os cursos de graduação, que puxaram a média para baixo. A evolução crescente da pesquisa e pós-graduação na UFF é mais facilmente verificada quando olhamos o "Webometrics Ranking of World Universities" no qual ficamos em 23o lugar na América latina. No IGC, somos a 41a universidade no Brasil. No ano passado, se o conceito Médio da Graduação fosse 3,5 em 5 no lugar de 2,51 a UFF ficaria em primeiro lugar no estado do Rio de Janeiro entre as universidades públicas. Como a nota 2,51 não reflete a qualidade real dos nossos cursos de graduação, a média vai para baixo.
(2) É bastante claro que o IGC só é adequado para comparar instituições de porte semelhante, já que não leva em conta a quantidade de alunos (apenas as médias são consideradas) e tende a favorecer as estruturas menores, com menos cursos e, portanto, mais “enxutas”. Também é claro que as avaliações dos cursos de graduação são problemáticas, principalmente nas universidades com muitos cursos, devido a boicote de alunos.
(3) Contudo, nada disso explica porque na graduação a UFF ficou tão atrás de tantas universidades federais de porte semelhante (UFMG, UFRGS, UFRJ), todas com o mesmo problema de boicote de alunos. A explicação, caso exista, é complexa. Contudo, não creio que o principal problema esteja exclusivamente nos alunos de graduação. Apresento uma informação para que cada membro da comunidade da UFF possa montar o seu quebra-cabeças: TODOS os dirigentes dessas universidades mais bem avaliadas deram a mesma explicação para uma das chaves para o seu relativo sucesso – qualidade do corpo docente com maioria de doutores em regime de DE, fazendo a justa ligação entre pesquisa e pós-graduação com a graduação. A composição do corpo docente de uma IFES tem peso expressivo nas avaliações de cursos, seja na graduação seja na pós-graduação e tem, também, peso expressivo na determinação do seu orçamento. Num momento de expansão da UFF, com um aumento muito expresivo das contratações de docentes, temos que observar as políticas de contratação das universidades mais bem avaliadas e refletir sobre esse assunto.

O OUTONO DO PATRIARCA
Recentemente fui informado de que teria havido a substituição do Diretor do Pólo de Volta Redonda. Seria um fato relativamente dentro da normalidade que, contudo, me chamou a atenção devido a forma como a substituição foi anunciada publicamente. O novo diretor teria sido anunciado como uma “pessoa jurídica” que estaria ocupando a função não pelos méritos própios mas como um interventor representante da Escola de Engenharia de Niterói no Pólo. Essa intervenção objetivaria “unir” grupos políticos com opiniões divergentes sobre a administração do pólo. A intervenção de uma Unidade de Niterói num Pólo do interior é fato muito inusitado. Mais ainda porque não reflete a opinião dos docentes da Escola de Engenharia de Niterói. Se foi verdade a informação passada para mim, alguém usou o nosso (da Escola de Engenharia) nome em vão.
Não sei porque, ao saber desse fato, me lembrei do senador José Sarney e de um artigo sobre ele na Folha de São Paulo intitulado “o Outono do Patriarca” (título de um livro do Gabriel Garcia Marques sobre a decadência de um cacique político). O artigo diz: “Na solidão do poder, Sarney vive seu outono do patriarca ... mergulhou no vício solitário do poder e vive o autêntico outono do patriarca. ...” . O Senador Sarney, com uma biografia indubitavelmente rica, ao iniciar um claro processo de decadência política no Maranhão, buscou sobrevida política aceitando se submeter politicamente ao senador Renan Calheiros, atropelando muitos aliados para se firmar como Presidente do Senado. Resultado – uma das maiores crises políticas dos últimos anos no Congresso Nacional.
Diferenças políticas entre grupos numa universidade existem, são legítimas e normais. Numa universidade democrática, essas diferenças são resolvidas no voto. Para mim é inacreditável que num pólo com tantos cursos (graduação e pós-graduação) e tantos docentes, não haja ninguém competente o suficiente para geri-lo de forma eficiente. Aparentemente o Colegiado do PUVR votou uma moção a favor de uma consulta eleitoral para a sua Direção, aprovada por unanimidade. Vamos ver onde isso vai parar. Aguardo um posicionamento do CUV. Eleições diretas no PUVR e nos demais pólos!

Saudações acadêmicas,
Heraldo

2 comentários:

  1. Com pessoas corajosas assim, podemos nos sentir seguros. Obrigada pela sua luta em favor da Educação.
    Eloisa Helena

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  2. Sugiro que os que gostam da UFF vejam os seguintes blogs:

    http://profs.if.uff.br/tjpp/blog/entradas/graduacao-em-fisica-computacional-em-volta-redonda#comment_2336c4b6324344aa3308c765f1ad23b8


    http://pensamentouffvr.blogspot.com

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