sábado, 15 de agosto de 2009

A gestão do conhecimento e o papel da universidade

O mundo das organizações vive constantemente sob o impacto do que poderíamos chamar das “grandes sacadas”, ou das auto-intituladas “última e revolucionária abordagem”, ou do também auto-intitulado “novo modo de encarar as coisas” etc. Tal perspectiva já fez a fortuna de muita gente, mudando ou não as organizações, e continua a despertar vocações inovadoras, ou em alguns casos apenas pretensamente inovadoras, que aconselham os discípulos a esquecerem tudo o que aprenderam anteriormente.
Foi mais ou menos assim com a gestão pela qualidade total, a gestão sistêmica, a reengenharia, a quinta disciplina, a gestão estratégica, o BSC e não podia ser diferente com a gestão do conhecimento. Independentemente de quão estruturantes ou transformadores sejam estes fenômenos de gestão, o seu ciclo de vida se parece muito com o tradicional ciclo de vida do produto, com fases de introdução, crescimento, amadurecimento, declínio e morte. Lá como aqui, em alguns casos, declínio e morte são substituídos por inovações que permitem uma nova inflexão na curva, reiniciando-se uma nova trajetória.
E a gestão do conhecimento? Como fica nesta história? Evidentemente, também ela não fica imune ao paradigma do ciclo de vida mas, antes de caracteriza-la, vamos compreender um pouco de sua gênese e condições de sobrevivência. Isoladamente as palavras “gestão” e “conhecimento” são tão antigas e já mereceram tanto estudo e pesquisa que quase diríamos, correndo o risco de sermos surpreendidos amanhã por um novo corte epistemológico bachelardiano, já não haver mais nada a dizer sobre elas.
Mas quando justapostas na articulação “gestão do conhecimento”, surge um mundo de possibilidades que evidentemente têm, como pano de fundo, a emergência das novas tecnologias de informação e comunicação (NTIC’s), aliadas às novas perspectivas e possibilidades com relação ao impropriamente chamado “capital humano”. Lembremo-nos de que na perspectiva da economia marxiana o capital era ou encerrava em si justamente o trabalho morto. E se há algo sobre o qual podemos afirmar que vive, e vive com as pessoas é o conhecimento, o qual Thomas Davenport define apropriadamente como “uma capacidade de agir”, essa sim, dependente das pessoas e passível de gerenciamento.
A universidade com os cientistas, professores, técnicos e estudantes que nelas habitam na condição de produtores, difusores e aplicadores de conhecimento, enfrentam os problemas relacionados a produção, desenvolvimento, difusão, aquisição e armazenamento do conhecimento, ou seja, com a sua gestão, há muito tempo. Mas somente quando este conhecimento passa a ser fator de diferenciação competitiva no mundo das empresas, e vira objeto de atenção dos seus departamentos de recursos humanos (RH) ou de experimentação das suas diretorias de tecnologia da informação (TI), é que o boom da sua discussão vai para as prateleiras dos livros mais vendidos nas livrarias, disputando espaço com os livros de auto-ajuda.
Gestão do conhecimento na universidade na maior parte das vezes esteve ligada a uma perspectiva individual. O cientista é um foco de produção de conhecimento que encontrou na universidade um ambiente fortemente marcado por quatro das cinco condições capacitadoras da criação do conhecimento organizacional formuladas por Nonaka que são a autonomia, caos criativo, redundância e variedade de requisitos. Se faltava ao ambiente a condição da “intenção”, esta sobrava ao próprio cientista, em geral um empreendedor que alia o conhecimento específico com a capacidade de agenciamento dos meios para a realização da sua tarefa, qual seja, da dispendiosa, complexa e dinâmica ciência, seus experimentos e sua difusão.
Não foi por outra razão que no auge da crise de financiamento público das universidades brasileiras nos anos 90 surgiram os dispositivos das fundações de apoio que deveriam ser, na prática, uma forma de apoio à reconhecida capacidade empreendedora do cientista. Esta capacidade estava fortemente contida pela crise da universidade, cada vez mais desaparelhada, incapaz de fornecer o suporte financeiro e estrutural às transações da tecnociência, dependente de redes materiais, da “assembléia de humanos e não-humanos” como dizia Bruno Latour. Há que se destacar neste momento o papel fundamental da Petrobras que, na ausência de uma política pública consistente, disseminou, através do Projeto Estratégico de Formação de Centros de Excelência, uma rede de cooperação universidade-indústria capaz de sustentar parte importante do sistema nacional de ciência e tecnologia.
O salto da gestão do conhecimento centrada no cientista-empreendedor para a gestão do conhecimento centrada na instituição universitária pressupõe a tão desejada mas nunca obtida indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Esta indissociabilidade foi prevista no Artigo 207 da Constituição Brasileira, o mesmo que, antecipando em alguns anos o conceito da condição capacitadora da autonomia defendida por Nonaka, previa também que a indissociabilidade deveria ocorrer numa universidade que gozasse de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Afinal de contas a “capacidade de agir” e portanto o conhecimento gerenciável da universidade para formar pessoas, produzir e aplicar conhecimento dependia de uma combinação absolutamente original de pessoas, estrutura e relacionamento em contexto de elevado risco, impossível de ser efetivado a partir do regramento jurídico tradicional de operação do aparelho de estado.
Resolver os seus próprios dilemas relativos a uma adequada gestão do conhecimento organizacional e, portanto da sua capacidade de agir é o desafio atual da universidade brasileira. Isso passa por uma série de mudanças que vão desde uma maior profissionalização da gestão até um ajuste de contas com a própria democracia universitária e seus compromissos com a sociedade brasileira, ou seja, a questão da articulação poder – gestão – estratégia está colocada e tem que ser tratada.
O recente programa de apoio aos planos de expansão das universidades federais (REUNI) foi um bom começo na medida em que retoma em parte o orçamento público da universidade vinculado a projetos e estratégias que as próprias universidades elaboraram. O êxito nesta tarefa será condição para que a universidade brasileira possa ser uma protagonista nesta que vem sendo apropriadamente chamada de uma era da informação ou, na expressão de Manuel Castels, da sociedade em rede. O Brasil precisa disso!

Nenhum comentário:

Postar um comentário