sábado, 25 de julho de 2009

Ciência e Gestão na Universidade Brasileira

O escritor e futurista norte-americano Alvin Toffler, que notabilizou-se com a publicação da trilogia “Choque de Futuro” (1970), “A terceira onda” (1980) e “Powershift: as mudanças do poder” (1990), afirmou em uma de suas análises sobre a chamada sociedade do conhecimento que então começava a se configurar, que a característica cognitiva mais importante a ser desenvolvida neste contexto seria a de saber aprender, saber desaprender e saber reaprender.
Essa citação foi utilizada por Sílvio Meira, professor da Universidade Federal de Pernambuco, um dos fundadores e atualmente cientista-chefe do CESAR/UFPE (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), para falar da sua experiência como um cientista em busca de um modo de fazer sua ciência e torná-la relevante e útil a partir da condição de professor universitário em Recife, fora do eixo Rio-São Paulo, tendo que interagir com inúmeros e heterogêneos atores que vão desde seus colegas universitários até empresários, passando por políticos e dirigentes de órgãos públicos.
Silvio Meira participava do VII Seminário Nacional do REUNI (Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), ocorrido em Brasília entre os dias 22 e 24 de julho de 2009 e que tinha por tema “A universidade e suas relações com o meio externo”. A intenção do Ministério da Educação, conforme expresso pela Secretária de Educação Superior Maria Paula Dallari Bucci, era a de trazer luz sobre a complexa relação da universidade com o meio externo particularmente naquelas áreas mais problemáticas dessa relação que envolvem financiamento externo e privado, a fim de se desenvolver e propor termos para a regulamentação da autonomia universitária, pedra de toque do esforço da Secretária para responder às exigências do Acórdão 2731 do TCU.
A citação de Toffler parece oportuna para lidar com situações de transição, onde o “já era” e o “ainda não” não estão nitidamente separados, onde a regra do jogo é desconhecida ou não dominada pelos jogadores ou, pior ainda, a regra muda a cada jogo e onde a coragem para correr riscos é a condição para construir algo que se intui importante mas não se sabe como nem com que parceiros. Essa parece ser a condição dos cientistas empreendedores nas universidades públicas na virada dos anos 80 no Brasil.
Gibbons et all ainda não tinham escrito o seu “The new production of knowledge: the dynamics of science and research in contemporary societies” (1994) e portanto ainda não tínhamos o conceito do Modo 2 da produção do conhecimento, aproveitando a categoria de modo de produção dos historiadores e cientistas sociais, pra definir a forma como o conhecimento vinha sendo produzido, no contexto da aplicação, focado no problema e desenvolvido por equipes interdisciplinares, em contraposição ao Modo 1 de produção, acadêmico, baseado em disciplina e conduzido pelo pesquisador. A Lei de Inovação ainda nem tinha começado a ser pensada.
O novo modo de produzir conhecimento não é uma questão de opção do cientista mas o desdobramento de uma economia que se globalizava e complexificava e os problemas não são mais linearmente eliciados a partir das disciplinas. Bruno Latour, no seu “Jamais Fomos Modernos”, lança a pergunta “quem vai resolver o problema do buraco na camada de ozônio?” numa referência a que os departamentos universitários, nascidos da perspectiva analítica da ciência moderna, não eram mais suficientes para enquadrar os imensos e multidisciplinares desafios colocados pelo mundo real.
Essa é a origem do imbróglio que o sistema de educação superior no Brasil vive hoje, desde que por falhas reconhecidas porém menores de um dos mecanismos criados pelo precário marco regulatório do sistema nacional de ciência e tecnologia, a saber as fundações de apoio às universidades, estas foram, equivocadamente, colocadas na mira dos órgãos de controle externo como instrumentos não compatíveis com o jogo republicano e democrático.
Tudo indica e esperamos que seja apenas uma crise de crescimento. Apenas um momento em que, por conta da retomada da capacidade de investimento do sistema de educação superior no Brasil, o sistema universitário se reaparelha, reconstrói (ou constrói pela primeira vez em muitos casos) a sua capacidade de fazer ensino, pesquisa e extensão de forma eficiente, planejada e sintonizada com as demandas da sociedade brasileira.
Há problemas sem dúvida e que devem ser enfrentados. É preciso aperfeiçoar e consolidar o ainda tão recente marco regulatório inaugurado com a Lei da Inovação, sancionada somente em dezembro de 2004. É necessário que a governança do sistema seja compatível com a complexidade do fazer acadêmico e isso não se faz sem a coragem de se tratar de forma articulada as imbricações entre gestão e poder. É necessário que o ethos acadêmico da excelência e da avaliação sistemática transborde também para os aspectos da gestão universitária. É necessário criar mecanismos permanentes de capacitação de pessoal técnico, a semelhança do que já foi feito no tocante a capacitação docente, priorizando-o no interior das universidades.
Fundamentalmente, e acho que este é o desafio do VII Seminário do REUNI, é preciso combinar a necessidade de regular com a delicadeza de não engessar e pasteurizar as iniciativas inovadoras que surgem a cada dia nas universidades. É preciso ter a flexibilidade para que possam surgir permanentemente no universo do sistema dispositivos como o CESAR/UFPE (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife) mas também dispositivos como a COPPE/UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da UFRJ). É preciso incentivar permanentemente os cientistas empreendedores individuais no interior da universidade mas ao mesmo tempo apropriar-se enquanto instituição que aprende, de capacidade empreendedora institucional viabilizando a universidade empreendedora.
Retomando a citação de Toffler que iniciava este artigo, é preciso aprender a operar em um novo paradigma da produção do conhecimento e em um novo marco regulatório. Mas é preciso também desaprender a utilizar os dispositivos como a fundação de apoio para fins diferenciados daqueles para os quais eles foram criados. E é preciso, finalmente, reaprender a operar o conjunto do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação de forma integrada e com vistas a tornar a ciência brasileira apta a cumprir a missão que lhe é atribuída pelo Galileu de Bertold Brecht que sustenta que “a única finalidade da ciência é aliviar a canseira da existência humana”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário